Comecei a beber vinho quase diariamente durante o trabalho. Por trabalho eu entendo o período em que eu estou em casa lendo os artigos de revista que eu havia marcado para ler mais tarde, respondendo e-mails, transferindo atividades do calendário do Departamento de Difusão Cultural para o meu calendário pessoal e realizando pesquisas em geral sobre assuntos não relacionados com o meu trabalho de verdade nem com meus interesses mais imediatos (por exemplo: engenharia de trânsito, figuras geométricas de altas dimensões, robótica). Depois que comprei a quarta garrafa de vinho na semana comecei a me preocupar com as dificuldades financeiras que envolveriam a manutenção do meu novo gosto no longo prazo. Eu já tinha abandonado a seção de vinhos baratos pela de vinhos importados no supermercado. Não entendo nada de vinho, mas descobri um uruguaio que era ao mesmo tempo gostoso, barato e bom. O bom tem a ver com deixar um tipo de marca específica no recipiente depois de servido e girado – uma parecida com a que o iogurte deixa, com vasinhos que se formam nas paredes de vidro em direção ao fundo, mas que não se formam quando o conteúdo do recipiente é água ou vinho ruim. O pensamento sobre a quantidade de dinheiro que eu estava gastando em vinhos já tinha logo desaparecido. Não porque eu a tivesse superado ou solucionado de alguma forma, mas porque, olhando em retrospecto, parece ter sido uma daquelas ocasiões em que pensar não ajuda, porque a situação vai se resolver sozinha se deixarmos. À noite fui a uma palestra com duas amigas. Esperei num café, com uma delas, a outra chegar. Estava um frio do cão, e a Luiza, a amiga que esperávamos, chegou de bicicleta. Ela usava um paletó bonito. Eu disse que tinha achado bonito o paletó, e ela respondeu que tinha roubado de uma loja de roupas, em protesto. Combinei com a outra amiga de irmos juntos a uma loja de roupas para roubar roupas para nós, qualquer dia daqueles. No fim da noite, fiquei na cama pesquisando sobre como furtar em lojas. Há sites anarquistas especializados. No dia seguinte fui ao mercado e roubei um vinho e um Kinder Bueno. O vinho custava uns 50 reais e o chocolate uns 5. Botei os dois na minha bolsa e ninguém perguntou nada. Se me perguntassem eu diria que era esquizofrênico. O site anarquista dizia que, pelo menos segundo a legislação americana, os seguranças não podem reclamar que eu não paguei antes de eu ter de fato passado pelo caixa – mesmo que eu tenha posto produtos na minha mochila, por exemplo – porque eu não teria tido, até então, uma oportunidade de fazer o pagamento. Parecia não ter nenhum perigo. Passei no caixa com alguns outros produtos, esses na mão, e paguei por eles. Ninguém perguntou nada. Antes de abrir a garrafa roubada, dali a alguns dias, anotei na lista de compras o lembrete de comprar uma taça. Não dá pra tomar um vinho de 50 reais em caneca de café.