Tom Zé e Música de Concerto

Quando o Tom Zé diz que Tô Ficando Atoladinha é um “meta-refrão microtonal e polissemiótico”, naquela entrevista antológica pro Jô, acaba fazendo algo genial (e ele tá ciente disso porque é esperto). A ideia é: se tu curte coisas tipo microtonalidade, atonalidade, dodecafonismo e aleatoriedade na música erudita, não curte porque é bonito, agradável aos ouvidos e soa bem num hall de hotel, por exemplo, mas porque é uma proposta interessante, de exploração de propriedades proscritas pelo cânone etc. Quer dizer, é uma relação intelectual, não propriamente sensorial, com o som.

O que o Tom Zé tá mostrando é que essas propriedades que tu aprecia na música de concerto estão (e talvez estiveram muito antes) presentes na música popular, e que, no fim das contas, não tem por que tu não ouvir Tati Quebra Barraco atentando para os mesmos pontos que estão em Béla Bartók e John Cage, já que o que está em jogo é a mesma coisa, só talvez com níveis diferentes de ciência disso.

A questão da ciência de si mesmo aliás é algo presente na própria música do Tom Zé, e eu acho que esse é o aspecto modernista dele, expor a materialidade do meio, como quando põe num disco uma música chamada “Jingle do Disco”, que canta: “Comprem este disco/ É uma pesquisa paciente/ Cada volta da agulha/ Pelo sulco docemente/ Fará você ficar/ Mais feliz e inteligente”. É a brincadeira do disco que sabe que é disco.

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