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Tenho me sentido, porém, por estafado. A coisa já vem de meses, e não sabe ser muito bem descrita. Não é como se se levantasse contra mim em forma de força terrível ou patologia grandiosa, apesar do período ter sido de convulsão emocional e das coisas se entremearem. O que se passa—se eu sei bem e se a descrição não for a própria morte da coisa—talvez seja a chegada tardia de umas perturbações que são mais comuns nas histórias de coming of age. A sensação, como já disse a uns próximos, é de que comecei o ano cadafalso abaixo. Os arranjos formais permanecem quase os mesmos, mas alguns outros não seguiram a voga. O verão me trouxe com o calor um marasmo criativo, uma dificuldade em pensar coisas e me envolver com assuntos. Escrever tem sido cada vez mais penoso. O raciocínio é disforme e o registro, difícil. O pensamento tem sido senil. Não sei mais inferir ou deduzir. Anoto umas palavras no caderno, mas não continuo, paro no meio. As referências desapareceram e as que sobraram não se comunicam. Não termino o que começo e na maioria das vezes nem começo. Intelectualidade sitiada. Já pensei que talvez seja assim que se comece a ficar louco, ou pelo menos se perceba. Talvez seja a primeira vez em que não haja nada tão importante pra me preocupar e eu possa perceber finalmente como é ser uma pessoa no mundo de interagir com outras pessoas no mundo (isso acontece com todos nós em algum momento?). Tenho tido pressão baixa nos últimos dias, e na semana passada tive que sair da aula no meio porque achei que fosse desmaiar. Talvez seja mesmo alguma patologia séria ou talvez seja só o ruído branco dos dias passando e anunciando que os momentos de sossego mental, intelectual e emocional são precários—talvez eu tenha virado personagem de literatura pós-moderna e nem tenha me dado conta. Não sei direito com quem falo quando falo sozinho. Também não sei concluir, vai ficar assim.

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