Temperos iranianos e sabores ardilosos

Hoje fui num café que descobri ser iraniano depois que já tava dentro. Pedi um café e um bolo de maçã. O café tinha uns temperos diferentes, e o bolo, que é o assunto do post, tava uma delícia. Isso até que, pela quarta ou quinta garfada (era um bolo molhado, de comer com garfo) senti um negócio seco no meio. Mastiguei mais um pouco. O negócio não se desmanchava. Parecia uma folha seca de árvore, ou um guardanapo daqueles fininhos que não absorve líquidos. Mastiguei mais um pouco, sem sucesso, até que peguei o negócio com os dedos e botei na lateral do prato para exame. Parecia uma película, ou um plástico, algo assim, era meio fibroso. Pensei em reclamar, mas na hora preferi não, e dei mais uma garfada. A mesma coisa de novo, tinha uns pedaços de algo que parecia plástico ou papel dentro do bolo. Não dava pra engolir. Aí surgiu a grande dúvida: eu estava em um café iraniano, que era um tipo de estabelecimento que eu nunca tinha frequentado antes. SERÁ, assim pensando alto, que aquilo não era algum tipo de tempero iraniano ou sei lá? Podia ser que eu só não sabia mastigar direito. Peguei mais um pedaço. Tinha mais dessa mesma coisa dentro. Dessa vez fiquei analisando com certa minúcia as propriedades organolépticas do objeto não identificado. Recolhi mais uma porção para o canto do prato, peguei na mão e olhei de perto. Rasguei um pedaço da película (era algo rasgável), e achei que parecia papel. Imaginei que talvez assaram a maçã, pra fazer a receita, e ficou preso um papel de assar sem ninguém ter visto, que depois foi triturado e ficou no meio do bolo. Mas ao mesmo tempo: e se fosse um papel que na verdade é um condimento iraniano? Eu ia ficar muito sem graça reclamando que tinha papel de assar no meu bolo e a atendente respondendo “senhor, esta é uma conhecida especiaria iraniana”, e aí falando o nome da especiaria. Fiquei refletindo sobre o que fazer por uns dez minutos. Nesse meio-tempo eu olhava pra atendente, esperando ela ver que eu precisava de ajuda, mas ela não olhava pra mim. Criei coragem e fui até o balcão pra reclamar. Eu tinha feito o pedido em francês, mas esse assunto agora era muito mais complexo e exigia algum tato e delicadeza para não criar constrangimentos, algo que eu não domino em francês (minha nuance em francês está no nível ISSO CUSTA QUANTO, O CAFÉ?, ou EU QUERO UM BOLO). Disse, então, em inglês, que eu tinha encontrado dentro do bolo algo que parecia papel e que era difícil de mastigar. Perguntei o que era. A atendente não falava inglês muito bem, mas tentou com toda a força. O que deu pra entender foi: “seed”. Pensei, OK, é a semente da maçã, tá explicado. Mas pera, a semente de maçã não é um troço minúsculo? Como é que aquilo pode ser a semente da maçã? “Ah, tá legal, obrigado. Foi só uma pergunta”, eu falei, e ela acenou a cabeça com aquela expressão “claro, claro”. Acabei meu café, deixei o resto do bolo no prato, paguei, agradeci e fui embora. A atendente parecia muito que tava falando a verdade, mas eu acho que aquilo era papel.

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