no title

Só umas coisas depois do resultado [das eleições] de ontem:

i) Não vi nem ouvi nenhum comentário contra nordestinos, nem na rua nem na timeline. Das duas, uma: ou paulatinamente estamos cultivando pessoas mais razoáveis, ou eu vivo numa bolha. Eu torço pela primeira, mas a probabilidade da segunda é maior;

ii) Eu voto em Três Coroas, ainda. Não tem nada de espantoso no resultado dos votos de lá. Fico feliz com a cidade não ser representativa do país, porém. Eis os resultados, para quem quiser conferir:http://i.imgur.com/7SNVtPV.png. O PMDB governa Três Coroas quase ininterruptamente desde a abertura democrática, o que explica em parte o voto maciço no Sartori e uma parte de seus eleitores terem votado na Dilma (ou seja, não é só voto antipetista);

iii) Não vi preconceito contra nordestino na timeline, mas vi “preconceito” contra a democracia, do tipo “brasileiro é burro e não sabe votar”, “o eleitorado não ouviu a ~voz das ruas~”, que são atitudes bem autoritárias e eu acho menos prováveis que acontecessem se o 1% ficasse do lado do Aécio (aí o gigante teria acordado?). Melhor dizendo, essa crítica à “inépcia” do povo tem de fundo uma concepção de política numa escala linear, de melhor e pior, do tipo “existe algo bom e algo ruim a ser feito”, o que pode ser até verdade numa cidadezinha com 20 mil habitantes, mas não é num país de 200 milhões. “Existe um bem um mal e eu estou do lado do bem” é um pensamento autoritário e potencialmente fascista, vide a grita separatista que tem ecoado desde ontem, sem falar nos comentários pró-golpe e pró-impeachment que tem rolado por aí;

iv) A economia não vai quebrar depois de amanhã porque a Dilma foi reeleita, relaxem. Eu não sei com que frequência o IPEA mede os dados do ‘risco Brasil’ – a taxa de “medo” dos investidores externos de botarem dinheiro no país – mas provavelmente ela deve deve ter aumentado agora, o que justifica a queda da bolsa. Vale lembrar que isso não é novo. No fim de 2002, com a iminência da vitória do Lula, o risco Brasil foi lá pra exosfera; no ano seguinte, quando já estava claro que interesse de investidor nenhum seria comprometido (por bem ou por mal), o risco baixou e continua até hoje mais baixo do que em qualquer momento do período FHC, mesmo ele tendo pego os melhores dias do Plano Real do Itamar Franco, mesmo com a crise de 2008. O gráfico deixa mais claro: http://goo.gl/f5WhFI.

v) Pensando adiante, são duas as pautas que a meu juízo devem ser levadas pra frente nesse próximo governo. Primeiro, a reforma da imprensa. Depois da tentativa de golpe da Veja (que não deu certo porque seus leitores já são eleitores do Aécio), ficou bem patente a necessidade de algum tipo de responsabilização pelo conteúdo que se veicula, como acontece em qualquer democracia mais bem estabelecida. Se fala muito no perigo do monopólio da informação pelo Estado, mas se esquece do monopólio da informação pelas conhecidas cinco famílias brasileiras, que é muito mais perigoso, por defender um interesse que não é nem pretensamente público. A segunda é a reforma política, que me parece ainda mais difícil, por necessitar romper o “pacto conservador” e a força da inércia, que impedem muita coisa de ser feita. Sem muito debate prévio, é inviável que uma proposta crua de reforma estrutural, mandada ao congresso, seja aprovada. Nosso desafio é problematizar isso na base. A tarefa é árdua.

essential