Procrastinação estruturada

Tradução desteartigo.


 “… uma pessoa é capaz de realizar qualquer quantidade de trabalho, desde que não seja o trabalho que ela deveria estar fazendo naquele momento” – Robert Benchley, em Chips off the Old Benchley, 1949.

Há tempos eu venho querendo escrever este ensaio. Por que estou finalmente escrevendo-o? Porque finalmente achei algum tempo livre? Errado. Tenho trabalhos para dar nota, ordens de compra de livros para preencher, projetos de pesquisa para avaliar, rascunhos de dissertação para ler… Estou trabalhando nesse ensaio como uma forma de não fazer nenhuma dessas coisas. Essa é a essência do que eu chamo procrastinação estruturada, uma estratégia sensacional que descobri que transforma procrastinadores em seres humanos eficientes, respeitados e admirados por tudo que podem conquistar e pelo seu bom uso do tempo. Todos os procrastinadores adiam coisas que devem fazer. Procrastinação estruturada é a arte de fazer essa característica negativa agir em seu favor. A ideia-chave é que procrastinar não significa não fazer absolutamente nada. Procrastinadores muito raramente não fazem absolutamente nada; antes, fazem coisas marginalmente importantes, como cuidar do jardim, apontar lápis ou desenhar um diagrama de como organizarão seus arquivos quanto tiverem tempo para isso. Por que o procrastinador faz todas essas coisas? Porque elas são formas de não fazer alguma coisa mais importante. Se tudo que o procrastinador tivesse que fazer fosse apontar lápis, nenhuma força no mundo conseguiria convencê-lo a fazer isso. Entretanto, o procrastinador pode ser motivado a realizar tarefas difíceis, demoradas e importantes, desde que essas tarefas sirvam como subterfúgio para não fazer alguma coisa ainda mais importante.

Procrastinação estruturada significa moldar a estrutura das tarefas que você tem que fazer de uma forma a explorar esse fato. A lista de tarefas que você tem em mente é ordenada por importância. Tarefas mais urgentes e importantes vão no topo. Mas existem tarefas que também devem ser feitas, porém estão numa posição inferior na lista. Fazer essas tarefas se torna uma maneira de não fazer as tarefas que aparecem no topo da lista.  Com esse tipo de estrutura de tarefas, o procrastinador se torna um cidadão útil. De fato, o procrastinador pode até adquirir, como aconteceu comigo, uma reputação de alguém que faz bastante coisa.

A situação mais perfeita de procrastinação estruturada que eu tive foi quando minha esposa e eu trabalhamos como coordenadores da Soto House, um dormitório da universidade de Stanford. Normalmente no fim do dia, tendo que dar notas para trabalhos, preparar palestras, preparar relatórios pro departamento, eu saía da nossa casa, próxima ao dormitório, e ia até o lounge jogar pingue-pongue com os estudantes ou conversar com eles nos quartos, ou só sentar por lá e ler o jornal. Ganhei uma reputação de excelente coordenador de dormitório e fiquei conhecido um dos únicos professores no campus a passar algum tempo e interagir com os graduandos. Vejam que coisa: jogava pingue-pongue como forma de evitar fazer trabalho mais importante e ainda ganhei uma boa reputação no campus.

Muitas vezes procrastinadores seguem o caminho totalmente inverso. Tentam minimizar seus compromissos, entendendo que, se tiverem poucas coisas para fazer, deixarão de procrastinar e farão essas coisas. Mas isso vai de encontro à natureza básica do procrastinador e destrói sua fonte mais importante de motivação. As poucas tarefas em sua lista acabarão sendo, por definição, as mais importantes. E a única forma de não fazê-las vai ser não fazendo nada. Essa é a forma de virar um ente inútil, não um ser humano eficiente.

Nesse ponto você deve estar se perguntando, “E as tarefas que ficam no topo da lista e eu nunca faço?” De fato, há um potencial problema aqui.

O truque é escolher os tipos certos de projetos para o topo da lista. Os tipos ideais de coisas têm duas características: Primeiro, aparentam ter prazos bem estabelecidos (mas na verdade não tem). Segundo, eles parecem incrivelmente importantes (mas na verdade não são). Felizmente, na vida abundam essas tarefas. Em universidades, a vasta maioria das tarefas se encontra nessa categoria. Veja o exemplo do item que está no topo da minha lista neste momento: acabar um texto para um livro sobre filosofia da linguagem. Que deveria ter sido entregue há onze meses. Eu fiz uma quantidade enorme de coisas importantes como forma de não fazer esse texto. Há uns dois meses, incomodado com o sentimento de culpa, escrevi uma carta ao editor, me desculpando por estar tão atrasado e expressando minhas intenções de concluir o trabalho. Escrever essa carta foi, é claro, uma forma de não trabalhar no texto. No final eu nem estava muito mais atrasado que os outros autores. E o quão importante é esse artigo de fato? Não tão importante ao ponto de em algum momento não surgir alguma coisa que seja ainda mais importante. Aí então eu vou trabalhar nele.

Outro exemplo são os formulários de compra de livros. Eu escrevi este texto em junho. Em outubro vou dar um curso sobre epistemologia. As ordens de compra dos livros já estão atrasadas para a livraria. É fácil entender que essa é uma tarefa importante e com um prazo que me pressiona (para vocês não procrastinadores, deixarei claro que os prazos começam a nos pressionar uma ou duas semanas depois de terem passado). Recebo lembretes quase diários da secretaria do departamento, estudantes às vezes me perguntam o que leremos, e os formulários não preenchidos permanecem bem no meio da minha mesa, de baixo da embalagem do sanduíche que eu comi na última quarta. Essa tarefa está perto do topo da minha lista; ela me incomoda e me motiva a fazer outras coisas úteis, mas superficialmente menos importantes. Porém, na verdade a livraria já está ocupada com os formulários preenchidos pelos não procrastinadores. Eu posso entregar os meus lá por agosto e vai dar tudo certo ainda. Só preciso encomendar livros bem conhecidos e de editoras eficientes. Até o início de agosto vou aceitar outras tarefas aparentemente mais importantes. Depois disso minha psique vai se sentir confortável em preencher os formulários como forma de não fazer essas novas tarefas.

O leitor atento talvez sinta nesse momento que a procrastinação estruturada requeira certa quantidade de autoengano, já que envolveria uma constante perpetuação de um esquema de pirâmide em si mesmo. E é isso mesmo. É necessário o reconhecimento de, e o comprometimento com, tarefas com importância inflada e prazos falsos, enquanto se pensa que são importantes e urgentes. Isso não é um problema, já que procrastinadores têm virtualmente excelentes habilidades de autoengano. E o que seria mais nobre que se utilizar de um defeito para compensar os efeitos negativos de outro?

essential