A ideia de que a gente vive num momento político em que opiniões valem mais do que fatos (a tal da “pós-verdade”) pressupõe basicamente duas coisas: uma, que existem fatos independentes de opiniões; outra, que em algum momento os fatos foram realmente priorizados, no discurso público, sobre as opiniões. Ambas as premissas são questionáveis.
A existência de uma verdade pristina “lá fora”, independente de interpretação, foi o discurso científico que se tornou hegemônico no século XVIII, com a ciência moderna. A verdade como a gente a conhece (empírica, matematizável etc), é invenção da modernidade. A questão, porém, é que desde então já existiam críticos a essa concepção (por razões diversas). Ou seja, a própria ideia de uma verdade objetiva, independente de interpretações etc., é UM discurso sobre a verdade, no meio de vários outros – o discurso que, por motivos mais ou menos contingentes, venceu a disputa histórica.
No século XX, essa concepção, que informava não só a ciência, mas a filosofia, a política, as artes, o direito etc., deu sinais de que começava a ruir, como se a modernidade se desse conta de que sua concepção de verdade TAMBÉM deveria se submeter ao escrutínio ao qual, até então, se submetia apenas o mundo. Uma forma interessante em que essa questão se materializou foi nas artes visuais, na discussão sobre o status da fotografia: a câmera fotográfica capta um mundo que está dado ou, pelo contrário, “projeta” um mundo a partir de uma perspectiva particular? Isto é, nós somos criaturas que apreendem a verdade ou que criam verdades? É o grosso da questão do que chamam pós-modernidade.
O ponto a lembrar, me parece, é que esse questionamento sobre a verdade não é algo propriamente novo, e sempre foi objeto de disputa. Essa disputa, ao longo da história, foi sendo resolvida sempre parcialmente, e normalmente a fórceps (talvez porque não exista, a rigor, critério de verdade exterior à própria disputa!). A particularidade dos nossos tempos não é que a opinião prevalece sobre a verdade, mas a noção de que a própria ideia de “verdade” é produto de uma cadeia hipercomplexa de “opiniões” (e sempre foi).