Os próximos anos 90

Imaginem as humanas no futuro. Ou melhor, a academia no futuro. Futuro tipo em 2070 para mais. Os intelectuais que nascem hoje vão certamente ter facebook, ou qualquer outro lixo que venha a substituí-lo, no decorrer de suas vidas. Essas pessoas, em 2070, vão ter escrito altos livros sobre altas coisas. Os maiores picas da intelligentsia de 2070 estão nascendo hoje. Os sujeitos que escreverem as coisas mais porretas de 2070 estão nascendo agora. E vão ter facebook, todos eles. Aí em 2090, quando essas pessoas já tiverem morrido, seus editores vão querer publicar material inédito delas. Até pouco tempo, esse material inédito eram cartas, cadernos e bilhetes. Em 2090, galera, vai ser post do facebook. O dia vai chegar.

Uma dessas pessoas é você, que tem uma vasta obra. Uma vida dedicada a entender a vida. E aí você morre (num trágico acidente de carro, por exemplo) e em vez do editor ter que escavar edições perdidas com os ensaios que você escreveu pra Gazeta Renana ou catar gente que tenha guardado seus Cadernos do Cárcere para publicar no aniversário de um ano de sua morte, vai precisar só rolar sua timeline até o fundo, selecionar tudo e dar um Ctrl+C. Vai publicar suas altas análises sobre a vida em sociedade no início do século XXI, suas reflexões sobre o Ser, seus poemas, suas análises macroeconômicas e seu tratado de reação ao último disco do Artic Monkeys escrito num sábado de madrugada sob influência de tóchicos. A capa da edição vai ser uma foto sua em preto e branco.

E vai ter neguinho gozando pelo córtex quando a editora anunciar que vai lançar o compêndio póstumo dos seus escritos inéditos até final do ano. A primeira edição vai esgotar já na pré-venda, com galera traduzindo o livro pra catorze idiomas incluindo o catalão. E aí no próximo semestre do grupo de estudos sobre você vai ter a leitura dos seus posts, agora com a eternidade legitimada nas folhas da edição deluxe. A FFLCH da USP vai fazer um congresso de uma semana em sua memória, com cinco dias de comunicações a respeito de “Como Ler a Observação sobre a Rabanada do Natal de 2034 num Modelo Pós-Tântrico de matriz Fulaniana” ou “O Conceito de ‘PQP hoje o dia tá foda’ na Teoria das Coisas de Fulano”.

Por essas e outras, já dá pra ver que os próximos anos 90 prometem ser ainda mais esculhambados que os últimos.

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