O Monge Elétrico

Tradução livre do genial segundo capítulo do livro Dirk Gently’s Holistic Detective Agency, do Douglas Adams.

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Capítulo 2

No alto de um monte rochoso se encontrava um Monge Elétrico, montado em um cavalo entediado. De baixo de seu capuz de tecido o Monge observava, sem piscar, o vale abaixo, com o qual estava tendo um problema.

O dia estava quente, o sol se apresentava em um céu vazio e pálido e refletia nas pedras cinzentas e na grama seca e fina. Nada se mexia, nem mesmo o Monge. O rabo do cavalo se mexeu um pouco, balançando levemente para tentar mover um pouco de ar, mas era só isso. No mais, nada se mexia.

O Monge Elétrico era um dispositivo para economia de trabalho, como uma máquina de lavar louça ou um gravador de vídeo. Máquinas de lavar louça lavam louças que você não quer lavar, logo, lhe poupando do incômodo de lavá-las você mesmo. Gravadores de vídeo assistem a tediosos programas de televisão para você, logo, lhe poupando do incômodo de assisti-los você mesmo. Monges Elétricos acreditam em coisas para você, logo, lhe poupando do que estava se tornando uma tarefa cada vez mais onerosa: acreditar em tudo que o mundo espere que você acredite.

Infelizmente, esse Monge Elétrico havia desenvolvido um defeito, e havia começado a acreditar em todo tipo de coisa, mais ou menos aleatoriamente. Estava inclusive começando a acreditar em coisas que teriam dificuldade de acreditar em Salt Lake City. O Monge nunca ouvira falar de Salt Lake City, é claro. Nem nunca ouvira falar de um quinguiguilhão, que era aproximadamente o número de quilômetros entre o vale onde ele estava e o Grande Lago Salgado de Utah.

O problema com o vale era o seguinte. O Monge estava atualmente acreditando que o vale e tudo mais no vale e ao redor dele, incluindo o próprio Monge e seu cavalo, era um tom uniforme de rosa pálido. Isso criava certa dificuldade em distinguir qualquer coisa de qualquer outra coisa e, portanto, tornava a tarefa de fazer qualquer coisa ou ir a qualquer lugar impossível, ou pelo menos difícil e perigosa. Por isso a imobilidade do Monge e o tédio do cavalo, que já tivera que aturar muita estupidez em sua vida, mas guardava secretamente a opinião de que essa era uma das mais estúpidas.

Por quanto tempo o Monge acreditou nessas coisas?

Bom, de acordo com o Monge, eternamente. A fé que move montanhas—ou que acredita que elas são, contra todas as evidências disponíveis, rosa—era uma fé sólida e duradoura, uma grande rocha contra qual o mundo poderia atacar com qualquer coisa e mesmo assim não seria abalada. Na prática, o cavalo sabia, vinte e quatro horas era mais ou menos o quanto duraria o problema.

E esse cavalo, então, que tinha opiniões e era cético sobre as coisas? Comportamento incomum para um cavalo, heim? Um cavalo incomum, talvez?

Não. Apesar de ser certamente um belo e bem constituído membro de sua espécie, era, todavia, um cavalo perfeitamente comum, como os que a evolução produziu em vários lugares onde a vida pode ser encontrada. Sempre compreenderam muito mais do que deixavam transparecer. É difícil ser montado o dia inteiro, todo dia, por outra criatura, sem formar uma opinião sobre ela.

Por outro lado, é perfeitamente possível sentar o dia inteiro, todo dia, em cima de outra criatura e não ter absolutamente nenhum pensamento sobre ela.

Quando os primeiros modelos desses Monges Elétricos foram criados, acharam que era importante que eles fossem instantaneamente reconhecidos como objetos artificiais. Não deve haver problema em eles parecerem exatamente como pessoas reais. Você não ia querer ver seu gravador de vídeo estirado no sofá o dia inteiro enquanto assiste tevê, coçando o nariz, tomando cerveja e encomendando pizza.

Os Monges foram construídos, então, observando a originalidade do design e também a habilidade de montarem um cavalo. Isso foi importante. Pessoas, e até coisas, parecem mais sinceras em um cavalo. Então concluíram que duas pernas seria muito mais adequado e mais barato do que os primeiros modelos com dezessete, dezenove ou vinte e três pernas; a pele que foi dada aos Monges era de um tom rosado em vez de roxo, macia e suave em vez de franzida. Também tiveram reduzida a quantidade de feições a somente uma boca e nariz. Ganharam, porém, um olho adicional, perfazendo um total de dois. Uma criatura com uma aparência estranha, de fato. Mas incrivelmente bom em acreditar nas coisas mais absurdas.

Esse Monge teve seu primeiro erro quando simplesmente deram demais para ele acreditar em um só dia. Ele foi, por engano, conectado a um gravador de vídeo que estava assistindo a onze canais de tevê simultaneamente, e isso acabou fundindo um banco de circuitos ilógicos. O gravador de vídeo só tinha que assisti-los, claro, não tinha que acreditar em todos eles. É por isso que manuais de instrução são tão importantes.

Depois de uma agitada semana acreditando que guerra era paz, bom era mau, que a lua era feita de queijo Roquefort e que Deus estava precisando que lhe enviassem dinheiro, o Monge começou a acreditar que trinta e cinco por cento de todas as mesas eram hermafroditas, e então quebrou. O sujeito da loja de Monges disse que precisaria substituir toda a placa-mãe, mas aí ressaltou que os novos e aperfeiçoados modelos Monge Plus eram duas vezes mais poderosos, tinham uma Capacidade Negativa multitarefas totalmente nova que lhes possibilitava ter até dezesseis ideias totalmente diferentes e contraditórias simultaneamente sem gerar qualquer erro no sistema, eram duas vezes mais rápidos e pelo menos três vezes mais polidos, e a troca para um novo custaria menos do que a substituição da placa-mãe do modelo antigo.

Feito. Fizeram negócio.

O Monge defeituoso foi levado até o deserto, onde poderia acreditar no que quisesse, incluindo a ideia de que seria difícil fazer isso. Foi-lhe permitido ficar com o cavalo, já que cavalos eram bem baratos para fazer.

Por certos dias e noites, que ele acreditava variavelmente serem (a) três, (b) quarenta e três e © quinhentos e noventa e nove mil setecentos e três, o Monge vagou pelo deserto, voltando sua crença elétrica a pedras, pássaros, nuvens e uma forma não existente de elefante-aspargo, até que por último acabou aqui, nessa rocha alta, observando um vale que não era, apesar do fervor da crença do Monge, rosa. Nem um pouquinho.

O tempo passou.

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