O modelo "Pokémon" de filmes e séries.

Há um bom tempo eu venho utilizando pokémon como adjetivo para um determinado tipo de material “artístico”. Não sei bem se é artístico, porque é mais comercial. Mas também não é só artístico (ou comercial). Enfim…

Pokémon, para quem não conhece, é um desenho nipônico, do início dos anos 90, cujo enredo tratava, basicamente, sobre batalhas entre pokémons. Pokémons eram criaturas semelhantes a animais, mas que evoluíam conforme venciam batalhas e ficassem mais fortes.

Cada pokémon tinha um treinador. Um treinador poderia ter vários pokémons. Se não me engano, se, em uma batalha entre o meu pokémon e o pokémon do meu adversário, o meu pokémon ganhasse, eu ganharia automaticamente o pokémon do adversário, como uma espécie de troféu. Essa era a estrutura básica do desenho.

Mas peço atenção aos personagens. Existiam centenas de espécies de pokémons. Não minto. Mais de 500, contando todas as temporadas (consultei o google). Cada único ser era diferente do outro, tendo cada um uma forma básica e mais uma ou duas evoluções, sendo que cada evolução recebia um nome diferente e uma forma diferente. Não bastasse isso, cada pokémon tinha poderes especiais. E cada evolução também! Mais de um! Resumindo, Pokémon era um emaranhado de criaturas com diferentes poderes, visuais e evoluções.

Óbvio que, apesar de inúmeros pokémons diferentes, existiam os protagonistas, os que a maioria de nós lembra ainda. Pikachu, Bulbassauro, Charmander, Squirtle… Cada um com seu treinador.

Nas minhas séries iniciais do ensino fundamental, na EEEF Augusto Roennau, em Três Coroas, assistir pokémon era cool. Mas mais cool era saber os nomes de todos os pokémons, uns 100 à época. Eu adorava o desenho, sim, mas não chegava a esse ponto. Voltemos ao assunto.

O desenho, por algum motivo, fez com que fosse LEGAL conhecer os personagens, saber os detalhes de cada um, as personalidades e os hábitos de cada um dos pokémons. E por isso mesmo nos fazia viciar na série. Partindo daí, obviamente criou-se todo tipo de material imaginável da marca Pokémon e com estampas de pokémons. Era legal, então vendia.

O ponto onde eu queria chegar é: Depois do sucesso que foi pokémon, reparem nos filmes que tiveram melhores índices de bilheteria e, principalmente, maior número de fãs: Star Wars, com seus seis episódios; a trilogia O Senhor dos Anéis; Harry Potter, e aí vai… Todos eles seguindo basicamente o mesmo esquema. Star Wars com milhares de robôs diferentes, cada um com um nome, incontáveis espécies animais, planetas, naves. O Senhor dos Anéis com milhões de nomes de lugares, etnias élficas, raças, idiomas, dialetos. Harry Potter com dúzias de feitiços em latim, plantas mágicas, criaturas bisonhas…

O que todos tem em comum é a multiplicidade de caracteres definitivos, principalmente de personalidade. O ser humano, pelo visto, é atraído por esses sistemas e universos que simulem a nossa sociedade caótica. Partindo dessa constatação, qualquer enredo, apesar de simples, que for recheado com uma quantidade massiva de informação a respeito de cada cenário e personagem me parece tender a acabar se tornando um sucesso de público. Essa atração pelo que parece complexo talvez seja explicada pela teoria mimética, da qual fala René Girard (um pouco sobre aqui). Não cheguei a pesquisar sobre isso, mas parece - a mim pelo menos - fazer sentido.

Falo especificamente de filmes nestes exemplos, mas a teoria pokémon também se aplica a diversos outros tipos de conteúdo, como programas de TV (vide Big Brother, com seu incentivo à evidência de caracteres comportamentais individuais, por exemplo), alimentação (McDonalds, com seu cardápio que nos engana e até nos faz pensar que a diferença de um sanduíche para outro não é só o preço e a maionese), entre tantos outros.

Lembro de uma vez em que um amigo me pediu ajuda sobre seu contrato de locação do apartamento em que residia e lhe expliquei sobre uma instituição do Direito conhecida como contrato tácito, onde não é necessária a formalização de um contrato para que ele tenha validade, o que me fez pensar que ao Direito, com todas suas instituições, órgãos, sistemas e métodos, também se aplica a teoria pokémon, o que, talvez, explique se tratar de uma área com maior concorrência nos concursos vestibulares mundo afora…

Note que em nenhum momento eu critico o uso desse artifício para angariação de público ou de números de bilheteria. Também não entro na discussão à la Mistério de Tostines se a aplicação do “modelo pokémon” em alguma coisa faz com que o público goste e, consequentemente, essa coisa seja boa; ou se faz com que a coisa seja boa e, então, por consequência, o público goste; ou se é uma dupla condicional. Me mantendo no campo do “existe?” a resposta aponta para “sim” :)

Não sei se consegui ser claro o suficiente para manter a precisão do que eu gostaria de ter dito, mas façam o teste: procurem aplicar a teoria pokémon no que veem por aí. Não garanto (rs), mas acredito que o resultado que encontrarem será muito parecido com o que encontrei!

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