Há pouco li uma reportagem a respeito da fala de Manuel Castells, intelectual espanhol, no Fronteiras do Pensamento na última segunda-feira, dia 10. Castells se reporta às manifestações populares que tem ocorrido na Espanha, nos EUA e mais recentemente na Turquia e conclui que o “atual modelo de democracia representativa está esgotado”.
Todas essas manifestações, incluindo as mais recentes contra o aumento da passagem de ônibus em Porto Alegre e depois em São Paulo, têm em comum alguns aspectos: falta de uma liderança que encabece a movimentação, organização através das redes sociais e forte repressão pela polícia, o que me levou a alguns pensamentos:
Há muita reclamação sobre a frequente violência usada por alguns dos manifestantes e a depredação do patrimônio público causada por eles. Esse é um dos principais argumentos contra esse tipo de manifestação e o principal argumento na tentativa de justificar as ações da polícia.
Bem, a causa primeira da violência policial nessas manifestações não me parece estar nos manifestantes, por terem destruído algum bem público, mas no próprio poder público, que não mais representa ou satisfaz os propósitos e vontades do povo, real detentor do poder (teoricamente, pelo menos).
A tendência, ao que me parece, é mesmo da horizontalização progressiva do poder e aumento das instâncias de democracia popular. Aliás, é pelo aumento das instâncias de participação que se mede uma democracia, não pela “quantidade de participantes”, como sustenta Norberto Bobbio em O Futuro da Democracia:
Hoje, se se quer apontar um índice do desenvolvimento democrático, este não pode mais ser o número de pessoas que têm o direito de votar, mas o número de instâncias […] nas quais se exerce o direito de voto […] para dar um juízo sobre o estado da democratização num dado país, o critério não deve mais ser o de ‘quem’ vota, mas o do ‘onde’ se vota […] deveremos procurar ver se aumentou não o número dos eleitores mas o espaço no qual o cidadão pode exercer seu próprio poder de eleitor.
O aumento das instâncias de intervenção popular na política parece nos levar no sentido de uma democracia direta, (uma democracia “de fato”, já que – me valendo do pensamento de Rousseau no seu Do Contrato Social – a vontade não pode ser delegada, portanto a única democracia real seria a direta).
E é daí que surge a discussão mais interessante. Numa democracia “mais direta” (sic), a vontade geral é sem dúvida melhor representada, já que ela não depende de um delegado – vereador ou deputado, por exemplo – para que chegue ao seu destino. Essa melhor representatividade me parece dar um espaço maior a uma possibilidade de hegemonia do pensamento majoritário, em outras palavras, uma ditadura da maioria. E esse é o problema.
Do ponto de vista lógico, a decisão por maioria é a mais simples de se entender e a que parece mais racional e justificável, já que, por esse sistema, uma maior parcela dos que se manifestaram a respeito de determinado assunto preferem determinada forma de ação. Entretanto, esse positivismo levado ao extremo, como já nos demonstrou a história, acaba por criar situações de manifesta injustiça. Exemplos são os regimes nazista e comunista do século XX.
Os freios desse positivismo político, ao longo da história, foram sempre direitos conquistados por minorias. Os direitos humanos durante a revolução francesa, a abolição da escravidão no Brasil e em outros países, os direitos civis que foram progressivamente conquistados por minorias estadunidenses etc. Exemplos não faltam.
Em resumo: um sistema de democracia direta, ou mais próximo disso, leva à melhor representação da vontade popular. Com a vontade popular sendo melhor representada, o meu temor é o da possibilidade de abusos pela maioria, justamente em razão de sua hegemonia ideológica.
De maneira alguma sou contrário às manifestações que vem ocorrendo ultimamente, longe disso! Apenas me questiono como lidaremos se de fato tivermos, no futuro, um sistema da forma que narrei.
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Não citei as fontes das minhas referências porque achei desnecessário, mas se alguém quiser, posso dá-las. Obrigado por ler até o fim!