Notinha sobre cultura latino-americana

Hoje fiquei pensando sobre como, depois que você é brasileiro ou argentino ou mexicano etc., depois que você é latino-americano, acompanhar a cultura e os temas da vida quotidiana de outro lugar do planeta perde consideravelmente a graça. É difícil competir com a carga emocional que vem junto com qualquer item do noticiário de um Brasil, por exemplo. Um dia na página inicial do G1 evoca do ódio à tristeza ao êxtase momentâneo à desolação. A sensação é de que tudo está acontecendo simultaneamente. É também esta a experiência de caminhar no centro de Porto Alegre ou São Paulo no quinto dia útil do mês. Muita informação.

Estou lendo Los rituales del caos, do Carlos Monsiváis, e fico pensando sobre como tudo que ele diz da cultura mexicana — a velocidade, a confusão, o exagero barroco — se aplica tão bem à cultura brasileira. Trocando os signos mais específicos — a Virgem de Guadalupe pela Nossa Senhora Aparecida, por exemplo — estamos no mesmo território cultural.

Talvez não se trate da vida quotidiana na América Latina ser simplesmente mais interessante, mas de haver mesmo mais vida quotidiana na América Latina do que na Europa, ou na América anglófona. A América Latina é dramática; a Europa é trágica. Nossa relação com o mundo depende mais dos pequenos eventos da vida diária, do boato, da confusão, do mal-entendido, do que a relação trágica de um alemão, ou um sueco, que é pobre de detalhe e a quem importa mais o grande arco narrativo do que os vário subplots.

Dizem que a língua alemã se presta à filosofia por causa do vocabulário abstrato. Talvez seja o caso também, muito providencial, de que o português e o espanhol se prestem tanto mais ao dramático do que ao trágico — que depende mais do detalhe da vida quotidiana — que temos duas formas de nos reportar aos objetos e às relações, uma mais perene, o “ser”, mas também outra mais fugidia, evanescente, o “estar”. O alemão, o inglês e o francês, por outro lado, só tem a dureza do “to be”, do “être” e do “sein”, que são mais paradões. O estar é uma forma de ser apropriada ao tamanho da vida quotidiana. É incerto, sutil, ardiloso. Dá conta do tipo de paixão dramático que é mais próprio dos latinos.

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