Nota sobre Três Coroas

Cresci em Três Coroas. E principalmente, como diria o Drummond, nasci em Três Coroas. Sou orgulhoso cidadão trescoroense e Três Coroas, onde quer que eu esteja, me acompanha. Tem algo sobre Três Coroas que a deixa, ao mesmo tempo, em um limbo cartográfico e numa posição especial. Três Coroas fica apertada entre duas regiões mais bem delimitadas — a Serra, que para todos os fins vai até o limite de Gramado, mas não chega a descer a RS–115, e a Região Metropolitana de Porto Alegre, que vai, dizem, até Igrejinha.

A esse respeito, conta a história que, por volta de 2012 (se me lembro bem. Pode ter sido antes ou depois), alguém resolveu estender os limites da Região Metropolitana de Porto Alegre, que na época ia até Taquara, para um pouco mais longe. Franqueou-se, então, a oportunidade de integrar a Grande Porto Alegre a Três Coroas e Igrejinha. (Veja que na história nunca fica muito claro quem era a pessoa, órgão ou entidade por trás do empreendimento cartográfico e administrativo).

Os benefícios de integrar a Região Metropolitana de Porto Alegre seriam vários. Primeiro, o direito de entender a si mesmo não como habitante do interior, mas sim da Região Metropolitana de Porto Alegre, o que apela à sensibilidade do jovem universitário, por exemplo, bem como das classes médias cosmopolitas e antenadas de forma geral. Depois, o repasse de verbas, não muito claro de quem, mas que por exemplo ajudaria a custear o transporte público municipal (que em Três Coroas, salvo engano, não existe). Terceiro, alguma mudança de status da cidade para os responsáveis pelas políticas públicas regionais, mas neste ponto apenas especulo.

Fato é que, conta a história, Igrejinha, a prima rica, aceitou o convite com alegria e juntou-se à liga que congrega Canoas, Parobé, São Leopoldo, Taquara, passando a fruir imediatamente das benesses que acompanham a mudança de status. Três Coroas, por outro lado, não conseguiu juntar todos os documentos a tempo (ou algo assim) e perdeu a inscrição. É o que contam.

Os motivos podem ter sido vários, desde problemas administrativos até o protecionismo econômico — a batalha contra a subjugação de Três Coroas à Área de Livre Comércio dominada pelos tubarões da Região Metropolitana de Porto Alegre. O esfacelamento da cultura nacional do município pelos modos estrangeiros etc. Ou a opinião de que era Porto Alegre que deveria ter se candidatado a integrar a Região Metropolitana de Três Coroas.

Não integrando a Porto Alegre expandida, Três Coroas também não é parte da Serra. Por muito pouco, eu gostaria de dizer, já que o centro de Gramado fica a uns 15 minutos de carro de Três Coroas bem como há ônibus a cada hora e meia saindo para São Francisco de Paula. A Unimed, na sua organização geográfica própria, atribui a Três Coroas a humilhante zona “Pé da Serra”, que eu acho que também abrange Igrejinha (não encontrei detalhes no site). O título é equivalente a jogar uma nota de 5 reais no chão e fazer o amigo que pediu um troco emprestado para o pastel se ajoelhar para pegar.

A questão territorial é também o coração de uma disputa antiga sobre o IPTU. Em 2005, a Schincariol instalou uma fábrica em território alegadamente igrejinhense, na fronteira com Três Coroas. Uma fábrica enorme, rica, inaugurada pelo governador da época, o Rigotto. Por muitos anos, a dita planta de fabricação de bebidas pagou impostos à cidade de Igrejinha. Mal sabia Igrejinha que, sob inspeção mais miúda, a planta estava instalada, na verdade, sobre território trescoroense. O município de Três Coroas, então, munido de um bom mapa, processou Igrejinha, pedindo todo o dinheiro de volta e um sincero pedido de desculpas. Ganhou (dizem. Eu não chequei). Igrejinha, então, deve milhões de reais de impostos de todos esses anos a Três Coroas, e talvez tenham que penhorar a Oktoberfest para pagar uma parte.

Não fazendo parte de muita outra coisa em específico, Três Coroas é lembrada como a sede do maior templo budista tibetano da América Latina. A referência geográfica, no caso, diz respeito a um país mais ou menos do outro lado da Terra. Não sei  bem se por ou a despeito dessa orfandade de região própria, as referências à cidade que circulavam ao meu redor quando eu crescia na cidade eram todas muito grandiloquentes, como que conferindo à cidade uma centralidade geográfica ou geopolítica que por outros meios não poderia existir. Nosso lema extraoficial para a cidade era “Capital do Mundo” (o oficial era o ligeiramente menos interessante “Cidade Verde”). Chegou a constar por um tempo no verbete da cidade na Wikipédia, por obra do vândalo juvenil que um dia fui. Hoje sobrevive apenas nas nossas memórias, e num blog que eu achei hoje que copiou o verbete da Wikipédia na época e provavelmente não achou nenhum problema.

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