Nota sobre regiões abstratas

Estava pensando sobre uma conversa que tive com o Thadeu uma vez. E que não foi apenas uma conversa, mas uma série de conversas que aconteciam com alguma frequência. Era sobre entender “o espírito” das leis, digamos assim. Segundo o Thadeu — com quem eu concordo — se você entende o que está por trás, por exemplo, de um instituto de direito civil, você não precisa decorar os artigos do código civil que lhe dizem respeito. Se você entende como uma coisa funciona “por dentro”, as formas específicas em que ela se dá vão ficar sempre muito mais fáceis de serem entendidas também. Para o Thadeu, isso era uma defesa do estudo da filosofia do direito. E penso que se aplica também à história, principalmente no caso do direito. Estudando-se direito romano, você passa a ter uma visão muito mais clara do sentido de muita coisa cujo sentido imediato talvez já se se perdeu, mas cuja forma permanece a mesma no direito contemporâneo.

Essa foi sempre a minha justificativa de por que eu estudava tão pouco e mesmo assim ia relativamente bem nas avaliações: eu entendo como as coisas funcionam, então todos esses detalhes que são dados pela lei já ficam também mais claros para mim (a outra era que direito é fácil). E essa foi também a minha resposta para uma vez em que a Gabriela me perguntou qual eu achava que era a minha maior habilidade. Entender como as coisas funcionam. Desde então, continuo com essa impressão.

Acho que essa atração por dominar o funcionamento das coisas (assim mesmo, das coisas em geral) foi um dos motivos pelos quais eu vim parar na filosofia. Sinto que operar em regiões superiores em abstração é a minha forma de me envolver com o maior número de áreas que me interessam — arte, antropologia, teoria social, história da cultura, ciência, técnica etc. Entendendo as coisas de forma mais abstrata (e sim, por consequência também mais borradas, com menos definição, maior granularidade, ou menos bits, para usar a metáfora que o Metacomentários me apresentou, acho que do Negarestani), acho que consigo circular mais facilmente entre as áreas tantas que me interessam e sistematizá-las na minha cabeça, pelo menos precariamente, e de uma forma não plenamente racionalizável.

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