Nota sobre a universidade

Estou passando o mês em Paris para uma escola de verão. Das últimas vezes que estive aqui, as coisas estavam majoritariamente fechadas por causa da pandemia. Agora estão abertas. Além disso, é verão, o que já enseja um uso diferente do espaço.

Tem feito, porém, muito calor. A máxima para amanhã é de 37°C. Como na maioria dos lugares não tem ar condicionado, hoje vim procurar um lugar na EHESS (Ecole des hautes études en sciences sociales) para ficar estudando durante a tarde, esperando que fosse um pouco mais confortável e climatizado. Abri o site da EHESS, procurei por salas de estudo, fui até uma, estava vazia, entrei e estou aqui. Ou seja, não precisei falar com ninguém, nem pedir permissão, nem me apresentar no meio do caminho.

É algo mínimo, eu sei, e particular, mas esse tipo de experiência, replicável em vários lugares do planeta, me lembra por que eu gosto da ideia da universidade. Desde quando eu a descobri, em Porto Alegre, quando me mudei do interior para estudar na capital, até agora, fico sempre um pouco fascinado quando lembro da existência desse tipo de lugar semi-público, que permite entrar e ficar relativamente invisível. A universidade é uma espécie de local privado em que você pode entrar, fundamentalmente (diferente de um parque, em que não se entra), sem precisar pagar (diferente de um café, em que se paga). Vai poder usar internet de graça, ficar sentado em algum lugar mexendo no seu computador sem ninguém te perguntar nada e sem ter que pagar por isso.

Claro que nem sempre é bem assim—ainda mais em países com um racismo institucional mais explícito como o Brasil—mas que isso seja possível em ideia já é um pouco reconfortante. A ideia de que é possível existirem espaços que não sejam estritamente privados, que você possa ocupar sem que seja um membro da família, um empregado ou um consumidor. Um modelo socialista de uso do espaço, para mim, tem a ver com poder estar em lugares apenas pela qualidade de ser pessoa, sem precisar vestir a roupa de familiar, consumidor ou empregado. A universidade é uma coisa perto disso, ao menos em ideia.

Outro lugar cuja ideia permite esse uso é a biblioteca (que está, frequentemente, junto à universidade). Não acidentalmente, em países em que faz mais frio, como o Canadá e o norte dos Estados Unidos, as bibliotecas públicas são um destino frequente de moradores de rua, que no inverno ficam lendo os seus jornais ou acessando a internet sem precisarem pagar ou prestar contas.

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