Nota sobre política

A crítica à característica “gourmet” dos chefes de executivo hype da história recente da América do Sul (Haddad e a ciclovia, Mujica e a maconha etc) talvez errem em não entender, caso essa hipótese seja verdadeira, que o próprio Estado, seja o Estado-nação ou qualquer subdivisão interna dele, ocupa hoje um espaço que talvez não lhe tenha sido próprio há pouco tempo. Da mesma forma, seguiria numa tendência de deixar de ocupar um espaço que tradicionalmente lhe fora cativo. Quer dizer, o papel do Estado, após a emergência do modelo neoliberal do capitalismo, passaria por um processo de migração de suas atividades “típicas”. De um lado, deixaria de ser responsável pela organização da economia, pela regulação econômica em sentido estrito. Esse papel estaria não mais com o Estado, mas com as corporações de uma “sociedade civil” oligárquica e globalizada, que possuem, elas sim, poder efetivo de regulação econômica inter- e intra-nacional. De outro lado, o Estado estaria se apropriando do espaço que coube, historicamente, à sociedade civil organizada: a organização do espaço público e a construção de uma morfologia social e moral, a criação de hábitos e o fomento de modos de vida próprios. Num modelo “pós-neoliberal” de Estado, não caberia mais ao poder soberano o controle de variáveis “infraestruturais” de ordem econômica, senão uma ingerência tópica sobre aspectos culturais. Economia e redistribuição seriam papeis das corporações; cultura e reconhecimento, do Estado. Dentro desse modelo, Haddads e Mujicas não seriam enfants terribles da boa governança, mas a encarnação mais autêntica do que resta do modo de governar do Estado nesse primeiro quarto do século XXI.

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