Nem aos olhos, nem ao tato, nem aos sentidos

AIRTON

E aí? Tu foi assistir à peça dos mineiros? Como é que foi?

ÍTALO

Eu fui assistir à peça e é muito boa. Achei realmente muito bom. Principalmente a atuação dos dois atores mais velhos, que era um cara e uma mulher. Porém, eu saí de lá muito triste, pelo número de pessoas na plateia, que era, contando comigo, seis. Daí foi ridículo, na parte dos aplausos deu pra ouvir individualmente quem tava batendo as palmas, sabe? Ficou muito feio, fiquei bem triste. Mas a peça era ótima.

AIRTON

Bah, foda isso, foda isso. Mas que bom que a peça era ótima, né. Vem cá, como tá tua perspectiva de trabalhar como digital influencer? Eu tava pensando nisso vendo uma colega minha de RI fazendo uma bela curadoria da internet pra gente no rendez-vous hoje, e lembrei daquela edição da Wired, sobre a gente estar vivendo a era da curadoria em relação à internet e aos nichos de… enfim, como ela precisa de curadoria e tal.

ÍTALO

As minhas perspectivas de conseguir emprego, assim, at all, depois de concluído o meu mestrado são em geral bem baixas. Inclusive esse é um assunto recorrente entre eu e o Émerson, que é que provavelmente não vai ter emprego pra gente, daqui pra frente e quando a gente tiver graduado já. E… não sei. Eu nunca tinha sido – nunca tinha enfrentado essa questão sobre minhas perspectivas de trabalhar como digital influencer. E eu não conheço essa matéria da Wired sobre curadoria ser a profissão do século – não sei se é essa a proposta também – mas me parece muito acertado. E eu acho que vai ao encontro do meu sonho – que eu acho que é o único sonho que eu tenho, a única coisa que tá nessa categoria “sonho”, porque eu não faço nada no sentido de que ele se concretize – que é o de ser editor de revista. Mas, é, acho que eu estou trabalhando para que continue assim como uma perspectiva muito distante na minha vida. Mas por que a pergunta, Airton, tu tem interesse de exploração profissional da carreira de digital influencer?

AIRTON

Ah, tu falando digital influencer faz parecer mais interessante de perseguir esse sonho. Pois então, acabei de te mandar o artigo. Na verdade eu nunca tinha lido ele propriamente. Eu tinha ouvido pessoas – experts – se referindo a ele para justificar suas próprias coisas. Daí agora eu fui buscar e acho que é esse aqui que fala. E é de 2010, então é, tipo, histórico já. Lançamento do iPad 1, né. Nem sei como era o mundo naquela época. E fala especificamente do curated computing do iOS sobre diminuir a tua liberdade para ter uma experiência mais significativa e depois a pessoa expande para falar de como a internet tá muito cheia de coisa. E daí abrir espaços – aí há espaço para que haja curadoria, né. Não que a curadoria seja a grande profissão, mas… há espaço. Inclusive tem uma parte de music critics versus music curators, falando sobre como a mudança na dinâmica da indústria da música faz com que, se antes havia mais espaço para críticos, agora há muito espaço para curadores de música.

E não sei, eu tenho pensado muito – é uma coisa que eu faço com certa recorrência – eu tenho pensado muito, em parte porque eu tô pra me graduar, dizem, semestre que vem, e no final das contas eu acho que de alguma forma eu evitei, por algum tempo. Às vezes eu só não conseguia me graduar, mas eu acho que eu deliberadamente evitei que isso chegasse. Em parte talvez porque a realidade e a relativa liberdade de ser um adulto graduado nesse mundo é overwhelming também. Então talvez eu precise de um curador pra minha própria vida. Mas enfim, é verdade, me assusta a possibilidade de ser qualquer coisa e não saber o quê, ou não me sentir capaz de fazer aquilo. Depois de trocar esses áudios contigo eu tive uma conversa com o Rafa Bricoli e fiquei pensando nisso tudo. Sobre por que eu não faço arte propriamente dita. E acho que uma das coisas que me falta é uma espécie de coragem que precisaria para colocar minha vida adulta e meu devir nisso que eu sei que no curtíssimo, no curto, talvez no médio e até no longo prazo não vão conseguir pagar meu açaí de de manhã. Então não sei se essa dita liberdade me ajuda ou não. Acho que faz com que eu fique mais frustrado ainda. Talvez se eu pudesse ter um emprego que o Estado determinasse – não, brinks, sei lá, não quero entrar nisso, é contrafactual. Mas… tchê. Peraí.

Digressão aparte… Enfim, tá chegando a hora de me graduar e a perspectiva de ter horas. Horas pra fazer o que eu quiser, e não ter que ter isso na minha cabeça ocupando espaço e poder sair na cidade. Conforme isso se aproxima eu fico pensando, tá, eu vou poder sair de Porto Alegre, mas pra onde, sabe? E também o fato de estar virando adulto, né. Bah, isso é a pimenta no molho. Não sei como tu tá lidando com isso, a gente já teve brevemente essa conversa. Mas pra mim tem uns labirintos de ser adulto em que eu me perco. Que é por um lado um desinteresse nas coisas – acho que aí a depressão só ajuda – um desinteresse crescente sobre tudo. Eu me sinto às vezes até um jovem blasé. E, ai ai, difícil isso.

E também uma coisa mais prática, objetiva, de que eu preciso ter. Já não tenho mais idade para não saber o que eu vou fazer, não ter rumo, não ter dinheiro pro aluguel ou não saber se eu vou ter onde morar. O que me faz pensar em, na verdade, me reorganizar. Fazer um reposicionamento de marketing e me reposicionar no mercado – não só no mercado, mas no mundo. E a arte me atrai muito, na verdade. Esse é o ponto. Eu me realizo imensamente aprendendo, e aí faz com que eu me realize em alguma medida, não tão imensamente, dentro da ciência. Só que, bah, ciência tem suas limitações, na verdade. Tanto os saberes possíveis, as apreensões possíveis, quanto a experiência. A experiência – não a experiência o teste mas a experiência vivida – acho muito sem graça. Me sufoca, me sufoca a academia nesse sentido. É chato, é chato, não é agradável. Nem aos olhos, nem ao tato, nem aos sentidos. E aí eu acho que tem um nicho. Acho que se der pra proporcionar experiências de aprendizado mais significativas esteticamente, eticamente e outras coisas. Mas enfim, eu me pego pensando nisso, de que eu nunca duvidei de que eu seguiria pela academia. Nunca duvidei porque pra mim sempre foi o lugar principal de saber, mas cada vez mais tenho me perguntado quanto que eu negligenciei a arte e a criação como lugares de saber. Aquele saber que a academia não chega e que talvez é o que mais me interesse no final das contas. E nisso eu tenho pensado muito nas inutilidades também, em várias coisas que a gente já conversou e que eu imagino que também te apetecem. Eu tenho criado um prazer maravilhoso de me sentir inútil. Acho que isso é uma coisa também que eu fazia muito com a Silvana e que me alimentava a alma. Fazer aquilo que não faz sentido, fazer aquilo que não tem uso. Pra mim, me sinto glorioso. Sinto que eu estou sendo assim, garoto nota dez. Pegando tudo que – toda educação, toda promessa que eu sou – e fazendo outra coisa que esperam de mim. Me sinto maravilhoso. E acho que ser artista cabe mais do que ser bacharel de qualquer coisa se eu quero fazer isso. Tá, eu posso, pode ser incrivelmente… Eu posso me realizar sendo um burocrata e fazendo essas pequenas coisas e talvez sabotando todo o negócio. Mas eu não sei se a experiência daí vai valer a pena.

Então eu estou pensando em como ter experiências mais significativas para mim e proporcionar isso pras pessoas. E aí eu tenho pensado em várias coisas e não sei ainda no que apostar. Uma delas é fazer uso do que eu já tenho de experiência, do ensino de línguas, que é uma coisa que eu consigo fazer… É um ganha-pão mais simples pra mim. E é uma coisa que eu gosto de fazer também. Daí eu tava pensando em ser youtuber, entre outras coisas. Eu tô com essa pilha de ser artista e dentro de ser artista eu tenho me dedicado à música e é uma grande realização. E eu sei que eu não preciso fazer disso o meu trabalho e talvez estragar a porra da realização. Mas eu quero poder ter mais horas – dedicar mais horas pra música, por exemplo. E nesse mundo de alto custo de vida e baixa remuneração, custa muito ter uma hora… Dedicar uma hora da vida para uma coisa que te dá prazer, ou pra arte – nesse caso pro fazer musical – custa muito no final das contas. E por mim eu passaria… Quatro horas por dia fazendo isso, tu entende. Então daí também eu imagino que eu acabe talvez tendo que incorporar a música.

Mas, enfim, objetivamente. Eu tenho feito isso e tenho gostado bastante. Tem a questão da estética mais propriamente visual, que sempre me fascinou e é isso. Quando eu tava no grupo de jovens da igreja eu editava vídeos estranhos pro contexto. E eu quero fazer isso, e as cores e as formas me movem de um jeito que muito do que eu vivo na academia não me move. Como eu tava falando pro Rafa, eu sinto que alguma coisa tá pra cair de maduro na minha cara e eu não tô enxergando. E aí na dúvida eu vou tentar, vou tentar algumas coisas. E uma delas é isso do youtuber. Eu pensei em juntar isso tudo – tipo um canal de ensino de português para estrangeiros usando a canção brasileira, com um visuals razoavelmente interessante. E aí eu também queria viajar, né. E eu acho que é um ótimo cartão de visita também. Quando eu tive em Londres e quis dar aula de português eu me dei conta de que eu não tinha… Eu não era ninguém, sabe. Claro, todo mundo tem que começar de algum lugar, talvez eu colocando cartaz dizendo, ó, dou aula de português, nanana, mas eu tenho certeza que se eu tivesse um trabalho pronto e acessível seria relativamente mais fácil, entendeu. Por ser acessível, pelas pessoas poderem ver o negócio em qualquer lugar do mundo, mas também porque só por eu ter esse canal eu teria que fazer um trabalho sério, que eu ainda não tenho. Então a própria produção do canal já faria com que eu tivesse um conteúdo, de quais canções ensinar e como.

Então youtuber já é de alguma forma digital influencer. Talvez a parte do influencer é a que menos me preocupe. Talvez eu só queira fazer alguma coisa na internet e esse seja um jeito de eu entrar, com as coisas que eu já faço. Mas além disso… Não é isso. No final das contas não é isso que eu quero. Eu não sei exatamente o que eu quero, mas uma das coisas que eu quero é editar conteúdo. E talvez por isso também que eu te mandei a mensagem falando isso, que pra mim tu é uma referência realizada de como ver as coisas, como apreender o mundo e editar isso de uma maneira interessante, quanto uma referência em potencial. Hoje foi um dia em que eu tava delirando voltando no carro, olhando a rua e pensando… Eu vi uma pichação e fiquei pensando numa história que tu viria a escrever, que continha essa coisa da urbe e de personagens mais ou menos quaisquer na sociedade, que seriam inusitados para contar uma história. Mas então, olha só, eu já tava fruindo de uma história que não existe, entendeu, mas só de imaginar tu editando de alguma forma essa história eu já fiquei feliz, já fiquei feliz que tu tá vivo. Mas enfim, imagino que tem muito potencial da tua parte pra fazer coisas interessantes. Seja em forma de revista, como tu disse, ou mesmo histórias assim – ficção, prosa, drama, ou algo audiovisual. Enfim, sobre eu editando coisas. Porque eu vejo isso, eu me vejo com vontade de fazer, tendo interesse, achando que faz sentido coisas que a gente pensa, faz sentido existirem, então alguém tem que fazer isso, e que teria público, e ao mesmo tempo… Eu acho que só de colocar as pessoas juntas, assim, trocando, já vai sair alguma coisa interessante, sabe. Mas enfim, não é disso que a gente vive e isso tem custo, né. Mas não é a primeira vez que eu jogo essa provocação, e acho que só estou fazendo a manutenção dessa hortinha, que é… Consigo imaginar coisas interessantes. Bah.

Eita, deu quase um áudio book

Mas comecei a falar e me dei conta que tinha muita coisa que eu tava para falar para ti e tavam só no campo potencial.

Bottomline: a internet é overwhelming, há um espaço fértil para curadoria, boto fé em ti e acho que pode ser divertido.

A forma disso? Aí só o transcorrer dos áudios e dos dias para dar pistas

ÍTALO

Olha Airton, foi tanta coisa que eu teria que fazer notas. Ouvir de novo e fazer notas, porque a mensagem de voz tem dessas né. Desde o walkie talkie. Que não dá pra transmitir e receber ao mesmo tempo a mensagem. E, enfim, a comunicação não é a mesma que a comunicação ao vivo, mesmo que ao vivo através do celular. Mas eu acho muito interessante que a gente esteja pensando coisas parecidas e tendo percepções parecidas enquanto trabalhando de flancos não necessariamente imediatamente conectados um com o outro, nos nossos trabalhos. Só pra justificar as pausas que eu vou fazendo, eu comi um sanduíche que não me fez bem. Aliás, terça-feira… Vou contar essa história agora. Terça-feira de noite – não gosto nem de lembrar – eu fui fritar um hambúrguer desses congelados, que tava no congelador da geladeira há muito tempo – eu realmente não lembro há quanto tempo ele tava no congelador da geladeira, mas fazia muito tempo. Aí eu fritei ele e botei dentro de um pão e comi como sanduíche e o gosto tava muito estranho, mas eu pensei, não, deve ser só o tipo da carne, não sei, e daí calhou de eu ter uma intoxicação alimentar com aquele hambúrguer, e passar muito mal, com diarreia, febre e dor de cabeça fodida na quarta-feira. E aí desde então eu tô meio mal – tudo que eu como me cai meio mal. E aí agora comi um sanduíche do Zaffari e tô tendo… Não sei se é refluxo ou o que que é. Tô meio que vomitando aos pouquinhos esse sanduíche, de vez em quando eu dou uma vomitadinha. Mas… só um pouquinho.

Sim, mas o que eu ia dizer é que essa coisa de, tipo, a minha necessidade, isso que eu percebi comigo nesse semestre, foi a necessidade de achar espaços pra não-razão, pro não-pensamento, pra não-linearidade, pra não-racionalidade. E eu tenho achado também que esse espaço, o espaço disso, o espaço onde isso é possível, é a arte. Tanto pelo consumo quanto como, sei lá, pela exploração de outros tipos, que não seja o consumo. A própria investigação ou o pensamento a respeito da arte pode ser liberador, libertador de uma racionalidade linear, onde as coisas precisam fazer sentido sempre. E aí, claro, tem a ver com questões pessoais minhas no semestre passado, ver que tem espaços em que naturalmente as coisas não vão fazer sentido e que viver é viver com esses espaços onde acontecem coisas que não fazem sentido, ou que não são plenamente apreensíveis de uma maneira racional. Bom, e aí eu acho que estar num departamento de artes tem me feito bem nesse sentido, de poder verificar que mesmo institucionalmente – que é a minha base, meu pano de fundo para saber se as coisas podem ou não podem ser, é elas estarem amparadas por uma instituição – que mesmo institucionalmente isso pode existir, esse espaço da não-razão, do não-sentido, principalmente, do não fazer sentido.

E a história da instituição também eu acho… Eu acho muito curiosa minha relação com a instituição e com a institucionalidade, que é de não conseguir viver sem, sem esse tipo de castração institucional. Bom, e aí eu acho que é o problema de pais liberais e lenientes. Se tu tem pais liberais tu acaba sendo tu mesmo teu mestre, teu castrador, te limitando, impondo restrições morais, etcétera. E eu acho que sinto na restrição institucional um pouco dessa falta… Digo, a falta que eu tive de imposição de ordem eu sinto meio que suprida na instituição. A instituição provê o tipo de restrição que eu preciso para poder funcionar. E ao mesmo tempo eu me eximo de eu mesmo ter que fazer ela, o que acabaria sendo muito dolorido. Mas bom, não sei como eu cheguei a isso. Pois é, isso sobre escrever… A Glaucia de vez em quando vem falar comigo dizendo que eu tenho que escrever um livro. Ela diz que eu reflito muito bem a minha geração. E isso foi na verdade dois posts meus do Facebook, bem deprimidos, depressivos. Enfim, a gente conversou um pouco e ela disse que achava que eu não tava ficando louco. Uma das minhas questões era que eu não tava conseguindo ter relações autênticas com as coisas, só me relacionava reflexivamente, de forma refletida, com as coisas. E bom, a consequência lógica disso, se for progressivo esse tipo de relação, é a esquizofrenia, né. Mas ela achava que não, que eu não tava ficando louco, que, por mais que eu dissesse isso, eu ainda tinha, obviamente, relações autênticas e imediatas com as coisas. E eu acho que de fato ainda tenho. Mas mesmo assim, em muitos pontos bizarros eu não vinha tendo relações autênticas com as coisas. E isso é muito curioso, eu acho.

Mas sim, sobre escrever, a Glaucia tinha sugerido… Ela disse, transforma isso num primeiro capítulo de livro, aí inventa os personagens e tal. Mas, e isso é uma questão, eu comecei a escrever umas coisas semana passada – e eu e a Gabriela a gente tá num esquema de trocar coisas que a gente produz durante a semana, toda segunda-feira a gente manda um pro outro, só pra botar, para estar em algum lugar, aí eu tenho mandado umas coisas que eu tenho escrito e essas coisas todas que eu tenho escrito eu tenho escrito todas elas no mesmo estilo, almejando que talvez, caso eu queira tocar isso adiante, isso vire alguma coisa mais substancial. E por coisa mais substancial eu penso em um post de Facebook com trinta mil palavras. É a coisa mais substancial que eu consigo imaginar. Mas a minha questão é que, isso de escrever romance, de escrever ficção, eu acho tão, mas tão difícil. Eu não sei se no estado atual da nossa literatura, e claro, da nossa literatura ocidental, moderna, etcétera, é possível escrever ficção hoje em dia. Eu vejo que eu não consigo, não consigo. Soa muito inautêntico tudo que eu escrevo de ficção. O Fabio, que foi meu orientador no TCC, perguntou, Ítalo, tu não tem nenhum conto escrito? Tu não escreve contos? E eu falei, olha, todos os contos que eu já escrevi são horríveis, eles são muito ruins, porque eu acho que eu não sirvo pra escrever ficção. E eu acho que a única coisa possível hoje de se escrever é aquilo que tu viveu imediatamente e na tua pessoa, enquanto tu. Acho que é o único tipo de literatura possível. E esse pensamento eu tive pensando, tipo: hoje não é mais possível escrever epopeias, ou grandes narrativas épicas. E, levando isso mais a fundo, não é nem possível mais usar palavras grandiloquentes, e inclusive a palavra ‘grandiloquente’ eu acho que não tem mais muito cabimento. A única forma possível de comunicação – até pela nossa forma de comunicação na vida, material, que é essa que a gente tá tendo agora – não cabe mais usar um palavrório enorme e narrativas complexas e grandes construções frasais. E aí, enfim, eu tenho escrito pequenas historinhas sobre meu primeiro semestre do ano, que foi um primeiro semestre bem particular, em questões emocionais. E… só um pouquinho.

Mas isso que tu falou de botar pessoas juntas pra conversarem numa sala, e que daí vão surgir ideias, naturalmente, eu acho que é exatamente isso. Eu percebo como é produtivo, no melhor sentido possível, quando eu passo uma hora, por exemplo, conversando com alguém interessante, tipo conversando contigo. E como isso é produtivo e como eu fico com um mundo de ideias, pensando e repensando e repensando. E eu acho que explorar isso nos nossos nichos de tempo durante a semana é certeza de coisas boas estarem acontecendo. Não é a mesma coisa a relação de internet, e com e-mail e outras formas de comunicação. Eu acho que é diferente. Pessoas conversando numa sala é sempre proveitoso. Tinha mais coisas que eu queria dizer… Esqueci agora.

AIRTON

Bah, tá muito bom, Ítalo, isso daqui. Tá muito bom. Tirando o vômito. Mas até o vômito é pro bem.

Se me permite falar enquanto tu pensa, eu boto muita fé nisso, de encontrar as pessoas. Eu acho que pode ser despretensioso o suficiente só encontrar as pessoas que a gente gosta e que a gente acha interessante. Fico pensando isso especialmente porque no último semestre – um pouquinho desse e do anterior – foram literalmente deprimentes para mim. Então uma das coisas que eu senti é que, se por um lado eu não estava a fim de encontrar as pessoas, por outro lado eu não encontrar as pessoas alimentava a minha dificuldade de não conseguir lidar com as coisas com que eu tinha que lidar. E é louco pensar nisso agora, mas na época era muito difícil. Só não queria ver ninguém. Mas o interessante é que isso me serviu também para eu me dar conta de quanto eu sinto falta das pessoas, sabe. E acho que em tempos como os nossos só da gente se encontrar já é grande coisa. Já é significativo e já vale o esforço, recompensador em si. Mas em termos de produtos, eu acho que não preciso da pretensão. Eu já ficaria feliz só de fazer isso. Eu já fico feliz só de estar olhando para a rua a imaginando coisas que ninguém escreveu ainda, né.

Mas isso do livro… Tu chegou a ler alguma coisa da Luci Brandão? Eu comprei, obviamente fiz questão de comprar o livro, passei por toda a cena constrangedora. Porque eu boto muita fé nisso, desde Lili. Para mim faz muito sentido support local art. De ler, pegar, adquirir essa materialidade do que os meus amigos e minhas amigas, as pessoas com quem eu compartilho tempo e a geração – não tem como não comprar e não ler, independentemente do conteúdo, ou de uma possível qualidade. Então esse foi um livro que eu comprei, e eu guardei só o último – não sei se é um conto – a última parte, que eu ainda não li. Mas é interessante ver que isso é possível. Mas isso tu já sabe porque tu já lançou um livro, né. Mas também é engraçado ver. Teve um que eu comecei a ler. Eu não sei… É, eu te perguntei mas é o momento walkie talkie, né. Não sei a tua resposta, se tu já leu ou não, e disso depende a minha fala. De como que eu vou me referir, se eu tô sendo óbvio ou não. Como eu não tenho walkie talkie, não vou esperar, agora.

Talvez eu tenha uma grande expectativa de genialidade e originalidade que qualquer macaco velho no mundo, e também no mundo da arte, sabe que não existe desse jeito. E aí que me fez pensar que essa idealização faz com que eu não me relacione tão bem quanto eu poderia me relacionar com o que está sendo produzido pelos meus contemporâneos. Porque não tem instituições ainda que respaldem de alguma forma. E outro que não me permite, ou que me atrasem eu produzir também. Porque eu jamais vou ser esse original e genial numa coisa que eu nem treinamento terminei. Então eu só não faço, acho patéticas essas minhas tentativas de escrita criativa. A maior parte eu não consigo nem começar, porque eu rio do quanto me parece absurdo estar fazendo aquilo. E quanto eu consigo, ai… Não sei, é estranho. Mas acho que há um bloqueio que eu não sei se precisa existir desse jeito. E não precisa ser lançado um compêndio de nada, mas também talvez só para escrever despretensiosamente já seja um problema a existência desse problema, na minha visão. E acho que ele tá de alguma forma relacionado a essa minha expectativa desmedida e irreal.

Ou seja, também ler o livro da Luci me faz pensar que talvez esse não seja o principal ponto. Mas enfim, é interessante, me deixo levar, tenho críticas, tenho que fazer os exercícios também, de não ter uma crítica muito forte que em alguma medida é uma autocrítica, né. Não sei como esse processo de individuação acontece, mas de alguma forma sou eu ali também. Potencialmente sou eu ali escrevendo. Então aquela crítica, sobre como falta isso, falta aquilo, de alguma parte volta para mim. Mas foi interessante ver também… Eu comecei a ler e pensei, nossa, eu já li isso em algum lugar, mas não é possível, esse livro é inédito. Enfim, grande parte é do blog, e tá escrito. Mas aí eu lembrei que a Luci já tinha me mandado aquela história, mas se eu não me engano escrito como se fosse ela. Então era meio que – eu também não sei, eu posso estar delirando, mas a lembrança que eu tenho é essa, um relato dela de uma coisa que aconteceu com ela e, enfim, para mim fazia todo sentido aquilo. Eu conseguia ver ela naquela situação, torcia por ela. Então ver aquilo na forma do livro, com o nome de outra pessoa e de uma personagem, foi meio engraçado, porque não é sempre que eu tenho acesso a parte do processo criativo do que eu vejo. Então, primeiro tem aquela sensação de, ah, já vi isso antes, depois de tipo, como é engraçado que o contexto muda o texto. Isso é óbvio, mas, para a prática às vezes está mais distante da gente. E aquilo me fez pensar que talvez tenha coisas que eu vejo de outras pessoas, de forma mais importante do que eu faço, fora de um contexto e de uma forma, mas na medida em que não tem um contexto, não tá numa obra, num livro, numa plataforma, sei lá, eu crio o contexto com meu olhar julgador, e é um contexto de que não tá dando certo. E de que às vezes aquele próprio texto num outro contexto fecha bonitinho. Então esse livro me fez pensar que daqui a pouco eu não me permito chegar ao ponto de que eu esteja num outro contexto que é mais favorável para que meu texto viva.

Então tem sido uma experiência interessante ler aquele livro e, enfim, agora que tu falou da Glaucia e também dos teus ensaios, das tuas tentativas criativas, me fez pensar isso, uma luz, sobre o que tu disse. É inacreditável, eu me sinto muito próximo disso, de que não dá para escrever isso. Tanto uma epopeia quanto, enfim, o que é que é a ficção hoje, na nossa literatura e tal… Não sei. Mas aí vem a parte que eu acho… Que eu tenho pensado muito ultimamente que é, tá, mas não tem espaço ou não tem porquê, né. Tem uma certa restrição, em parte pelo contexto que tá dado, pelo que tá dado, pelo acumulado, mas do que tá dado. Mas quando tu faz essa leitura – da epopeia talvez eu não tenha muito como te questionar, talvez seja ousado demais eu questionar esse ponto de por que haveria espaço ou possibilidade de uma epopeia – mas talvez pegar a questão grandiloquente em si e, enfim, mesmo a ficção… Tu te considera nessa leitura, nessa análise, quando tu acha que não tem cabimento? Eu tenho visto, tenho dado mais atenção para artistas novos que eu costumava ser ou reticente ou não colaborava muito. Em parte porque eu tenho os meus artistas que eu gosto e que são clássicos e não sei o que lá.

E esses artistas novos – sempre tá faltando alguma coisa, nunca vão ser o negócio. Mas ultimamente eu senti que eu podia pegar mais leve com eles e com elas. E daí eu tenho tentado ouvir o que as pessoas tão vivendo. E tão dando coisas. E são as coisas que tão dando que muda o estado das coisas, né. E talvez quando há uma quebra seja muito difícil de tomar, mas, por exemplo, daqui a pouco tu vai usar qualquer coisa grandiloquente ou, enfim, uma ficção tua que a princípio tu tem dúvidas, mas, sei lá, daqui a pouco tu não é a pessoa mais capacitada para dizer se aquilo ali vai fazer sentido pras outras pessoas porque tu tem uma parte interessada ali na questão, né. Não tô questionando os méritos da tua capacidade de avaliar a qualidade de obras de arte, até mesmo porque tu tá estudando em parte para entender todas essas grandes conexões, né, mas, não sei se tu concorda comigo, mas tu tem um olhar viciado, ainda mais por não ser alguém que tem uma carreira estabelecida nisso. Eu imagino que possa ter um olhar viciado para não conseguir entender, ou não conseguir pegar leve com o teu trabalho e imaginar que aquilo possa fazer sentido para as pessoas. Então talvez quem seja capacitado para falar isso, num primeiro instante, sejam outras pessoas, em quem tu confia, obviamente. E também em quem tu não confia – daqui a pouco aquilo faz sentido para muitas pessoas, né, e só coloca isso no mundo.

Mas daqui a pouco há espaço para uma ficção, do Ítalo, de uma forma que não necessariamente se encaixa no que está posto, mas talvez seja justamente isso. E é uma coisa em que eu tenho pensado, chegando a idade. Talvez seja justamente à gente essas coisas não façam sentido porque a gente ainda não fez elas. Eu adoro, adoro, tenho uma predileção por ler sobre os movimentos artísticos, e ficar pensando, ah, que maravilha, e como é que isso mudou as coisas e tal. E, de alguma forma, alguém teve que protagonizar esses movimentos, né. E aí eu me pergunto de novo, qual é o nosso movimento, sabe? Talvez a gente só vai saber protagonizando. Ou seja, talvez – daí pra mim a gente entra num ponto muito difícil de analisar, que é: talvez o que precisa vir a ser é isso que seja justamente isso que não tá, que a gente não consegue identificar, e aí a gente não tem uma referência pra saber se é bom ou ruim. Então talvez o que a gente vai trazer para o mundo e protagonizar é uma coisa diferente. Só que nesse diferente – tá, a gente aceita, vai ser diferente, a gente pode protagonizar uma coisa que talvez não se encaixe no que está posto – só que isso abre espaço pra gente fazer coisas nada a ver, completamente nada a ver. E a gente pode achar que está sendo vanguarda e estar sendo só lixo. E aí, como se resolve isso?

ÍTALO

Como aqui, diferentemente do walkie talkie, a gente consegue gravar as mensagens de voz ao mesmo tempo, eu vou mandar essa enquanto vejo que tu tá falando alguma outra coisa aí do outro lado. Que engraçado, né, os dois estão falando ao mesmo tempo só que a gente não está se ouvindo, e vai ouvir depois só. Tá, olha só, esqueci completamente o que eu ia dizer. Ah, sim, primeiro, eu não li o livro da Lúcia – Lúcia? Sempre esqueço o nome dela, tu acabou de falar e eu me esqueci – mas pretendo, eu só não sei onde comprar. Não sei se ele tá à venda em alguma livraria, mas eu queria muito ver o que está sendo – gosto de saber o que está sendo produzido aqui localmente também.

Mas essa questão da originalidade também é uma questão para mim, sabe. Do tipo, eu pensei, tá, não vale a pena jogar aí no mundo mais do mesmo. Mas, pois é, é difícil essa questão. Eu realmente não sei, porque tudo já é um pouco mais de um pouco mesmo, daquilo que sempre foi já, ou já-sempre, ou sempre-já, o mesmo. Pois é, eu não sei. Eu realmente não sei. Eu tenho lido ultimamente umas autoras modernistas americanas de meados do século XX e a literatura delas é toda, assim, parágrafos dispersos e desconexos, sem nenhum encadeamento lógico entre eles, sem nenhuma grande progressão cronológica conforme se avança a leitura, sem nenhuma narrativa muito bem identificável, nenhuma série de símbolos que representem qualquer coisa… E daí eu tô meio nessas, do tipo, talvez a gente já tenha esgotado toda a possibilidade, ou toda forma possível, de fazer algo novo. Mas o mesmo tempo a forma de fazer o novo é justamente essa, né, a única forma de fazer o novo é se aproveitar daquilo que é de fato, materialmente, ontologicamente, novo, que são as experiências particulares de cada um. De resto, tudo já foi escrito, de todas as formas. Tudo já foi produzido. Mas sim, eu entendo perfeitamente essa resistência em parir qualquer coisa semelhante à qual outras já sejam. Mas eu não tenho um grande argumento para me convencer do contrário. Assim como, isso me fez lembrar, eu não tenho um grande argumento para justificar por que tem que ter financiamento público – principalmente, mas essa é só a ponta do iceberg – por que é que tem que ter incentivo à produção artística, sabe? Ou à pesquisa em Filosofia, também, que é mais diretamente a minha área, né. Eu não sei, eu não sei se tem alguma resposta possível. Acho que são questões parecidas.

AIRTON

Enfim, eu queria compartilhar essa provocação, e te provocar a pensar. Qual é o nosso espaço enquanto alteradores de coisas, não só reprodutores com alguma corzinha nova? Qual é o espaço que a gente tem de protagonizar algum tipo de mudança? E aí talvez o que tu olhe com olhos estranhos seja justamente o que precise, né.

ÍTALO

Bah, Airton, acho teu questionamento extremamente pungente. Que é o ponto, bom, não é a gente que vai julgar se o que a gente tá sendo é vanguarda ou lixo. Vai ser a história talvez, ou, enfim, nossos contemporâneos, as outras pessoas. E é super pretensioso também, né, mesmo se pôr essa questão. Será que o que a gente tá fazendo é história ou lixo? Enfim. Isso que tu levanta, de ter um terceiro que saiba avaliar melhor a tua produção, é algo que eu, talvez por não estar no meio – no meio de produção artística ou literária, que seja – tenho dificuldade de enxergar essa pessoa, alguém que tenha acesso ao teu trabalho, alguém que leia o teu trabalho, no caso de literatura, e diga: “Bah, isso aqui tá uma merda. Horrível. Não tem nenhuma condição de que alguma outra pessoa tenha o mínimo interesse de ler. Seria um acinte, um desrespeito com o leitor sugerir que isso deveria ser lido por alguém”. Eu não acho que tenha gente disposta a comprar, a fazer esse tipo de crítica, sabe? Eu acho que sim, eu acho que – claro, o que se poderia dizer é, isso pode ser desestabilizador, poderia desincentivar a produção, e não só a produção, mas a melhora, melhorar a qualidade – é pra isso que serve a crítica em geral, para as pessoas melhorarem – mas em algum nível ela pode cercear a própria criação.

Mas eu penso, bom, eu, como – ai, isso é outra questão. Eu tenho que entrar numa para entrar na outra. Continuando… Como eu, por exemplo, não sou artista, eu não dependo de crítica positiva para poder fazer qualquer coisa. Então como com isso eu tenho algum nível interessante de – como é que se diz? Autoestima? Não é essa palavra que eu queria usar, mas enfim – de autoestima em relação às coisas que eu escrevo. Tipo, de segurança mesmo. Eu sou relativamente seguro com as coisas que eu escrevo. Se alguém disser, isso é uma bosta, não vai me afetar muito porque, bom, eu não dependo daquilo, eu não sou aquilo, primariamente. Mas mesmo assim. Ai, não tô conseguindo raciocinar direito, eu acho. Fazia sentido quando eu tinha pensado. O que eu queria dizer é que mesmo assim não tem pessoas para dizer “isso é muito ruim”. E eu sinto necessário. Eu não me importaria se alguém dissesse “isso é muito ruim e não deve se levado adiante”.

Mas o que eu ia dizer antes, que é relacionado com isso, é o fato de, como uma posição confortável – eu não sei se tu funciona da mesma forma, mas eu funciono muito assim – como é uma posição confortável, talvez a posição mais confortável possível, é tu ocupar um espaço, ou, digamos, ter um título que seja aquilo que te represente de forma primária e poder ter outros campos para exploração fora daquilo que é o tu principal. E eu vejo que eu sempre acabo procurando essas formas alternativas, formas fora daquilo que me define, daquilo que seria o meu principal, minha principal ocupação. Academicamente isso se traveste, primeiro, quando eu estudava Direito, por exemplo, num boicote total ao Direito pela Filosofia, para estudar Filosofia, pesquisar Filosofia e trabalhar no departamento. E agora que eu tô no mestrado em Filosofia isso se mostra através de uma sabotagem ao departamento de filosofia através de uma graduação em História da Arte, sabe. Por mais que eu tenha cortado várias cadeiras e tenha sido castrado, finalmente, a fazer menos cadeiras na História da Arte, porque afinal minha profissão é a Filosofia. Mas enfim, eu queria chamar a atenção para essa questão de como é uma posição confortável ter um segundo lugar para explorar as questões que te interessam e que não vinculam ou não abalam a tua vinculação – ou a atua afiliação institucional, para ser bem institucionalista – a tua afiliação institucional principal. E eu acho que isso tem a ver também com o espaço confortável que é não ser um artista, sabe. E isso que tu tava falando de ser artista, talvez também o negócio é estar numa posição desconfortável, por querer. Querer estar numa posição de desconforto. Eu acho que a posição de artista, a denominação inclusive, artista, é uma posição desconfortável. Enfim, até pela questão mais básica, de sobrevivência, de subsistência. À medida que tu é artista, isso implica, assim conceitualmente, que tu make a living out of tua arte, e não que tu seja um burocrata, por exemplo, como era o Drummond, e calha de fazer poesia nas horas vagas. Não sei.

Airton, eu vou dormir. Vou desligar, pelo menos, daí ficar revirando na cama por longas horas. Mas… Me ocorreu de transcrever essa nossa conversa para uma forma textual e digo que, se um dia as coisas que eu tenho escrito virarem um post substancioso de Facebook com trinta mil palavras, talvez esta seja a introdução ao post. Mas daí eu te mando antes, para tu ver quais partes tu quer que eu apague. Aquele abraço.

AIRTON

Bah, que frescor. Que frescor. Nessa arte de trocar palavras e afetos contemporânea brasileira que foi essa conversa contigo, bah. Eu boto fé nesse teu trabalho hercúleo de transcrever. Eu acho que alguma coisa vai sair daí. Sim, com certeza, quero ver isso. Quero ver caso vá pra prensa. Quero dar uma olhada antes. Bah, acho que ficam pontas, né. E é isso que dá a moral do negócio. Então, vou indo dormir que amanhã eu vou para Cachoeirinha e depois vou para Novo Hamburgo, lá no Pachamama consagrar a ayahuasca, e ficar ainda menos perto do mundo da razão. Mas antes preciso falar dessa imagem que tu falou, sobre o não ser e esses espaços, e de como na verdade às vezes a gente encontra guarida nisso mesmo, ou guarita? Guarida. Não sei. Não sei exatamente por que me veio essa imagem, e eu nem sei qual é a imagem. Não sei se tu lembra de algum lugar, que é uma máquina para… É tipo um motor eterno, inclusive não foi tu que me mostrou ou a gente viu junto, aquela página daquele anúncio de uma folha inteira na Zero Hora, ou equivalente, de que ia ser instalado em Porto Alegre aquela máquina do motor infinito? Bah, nem lembrava disso.

Mas então, eu acredito que tenha alguma imagem quase mitológica na propulsão infinita que é uma parte repelir a outra em direção a ela repelir a parte que repeliu, e assim ficarem dando uma volta infinita. E de alguma forma me veio essa imagem, não sei se é o fato que a Silvana chama de Plano A. Do Plano A repelir o Plano B, que repele o Plano A, e é isso. É isso que vai dar no fim o movimento. Propulsão da vida. É o filósofo repelindo o artista, repelindo o artista, repelindo o filósofo, que acho que é também o movimento da vida, que é tu fugindo de uma coisa e indo para outra, e fugindo para outra, mas que na verdade isso dá um movimento massa pro negócio. Não sei. Bah, ficam pontos aí maravilhosos.

Eu terminei, nesse ínterim, eu terminei de ler o livro da Luciana e achei interessante o jeito que ela terminou o livro, só pra constar. Genial não, porque genial eu não sei, guardo só para ocasiões que sobrevivam ao tempo. Ocasiões clássicas. Mas eu não sei se tá nas lojas, ela tava num mini tour de lançamento do livro, que foi na Parada Gráfica, no Cartum e no Folhagem, na Casa Baka, eu acho, mas depois eu parei de acompanhar, não sei se ela foi para algum lugar ou se ela ainda vai para algum lugar. Eu posso perguntar para ela. Se não, vou ter um imenso prazer de te emprestar a minha cópia – não autografada, porque eu nem isso mereço – do livro dela. Acho importante dar uma olhadinha. Enfim, tem ilustrações de uma amiga nossa também. Tu conhece a Anelise de Carli? A Anelise cuidou da diagramação e, enfim, esses processos também me interessam – quem é convidado para que, e tal – então eu vou ter o maior prazer de te emprestar. E, falando em processo e quem é convidado para que, queria reforçar que, no meu primeiro livro, tu é a pessoa para escrever a biografia do autor. Só queria relembrar porque é um ponto importante para mim. Não esqueça.

Bah, tinha mais alguma coisa, mas vai ficar para a história isso. Eu vou escrever uma cartinha para a Luciana agora. Um apêndice – um anexo, não sei – a uma carta que eu escrevi para ela numa viagem recente, mas antes de ler o livro. Com um feedback rápido do livro. Um feedback não de conteúdo. E também comentar que a epístola é uma incursão que eu estou tentando ter, não sei se está dando certo. Eu escrevi de cinco a sete cartas, eu não mandei nenhuma. Mas daí também, né, daí não é meu problema. O que importa é escrever, em algum dia isso vai se juntar a alguma coisa a fazer sentido.

Enfim, vamos se ver no mundo material. Tenho que tocar aquele Take Five para ti. Inclusive uma das versões de Take Five que eu tenho ouvido para praticar o piano é o Take Five tocado em quatro, né, conforme tu cantara essa pedra, para delírio e assombro da sociedade portoalegrense mais conservadora. Enfim, acabou o expediente. Aquele abraço.

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