Fechei a porta do apartamento e desci as escadas do meu prédio. Passei na caixa do correio pra ver se tinha chegado alguma coisa e jogar os spams fora. Quando fecho a caixa, ouço a voz da síndica vindo de trás: “Ítalo!”. Ela trabalha no térreo, com alguma coisa envolvendo costura. “Entra aqui”, disse ela. Eu entrei e conversamos sobre a vizinha do 303 estar se queixando de que tem um vazamento da nossa varanda para a dela e se eu podia avisar a minha imobiliária para eles resolverem. Ficamos conversando sobre hidráulica e prédios portoalegrenses construídos nos anos 60 até eu achar um momento adequado para fugir da conversa. A nossa síndica é uma mulher de uns 50 anos muito legal como pessoa e boa como síndica. Todo dia tem um aroma de ervas no corredor do segundo andar e a gente acha que vem do apartamento dela. Ela também assina a “Revista Síndico”, o que descobri quando vi o xerox de duas páginas de uma matéria sobre separação de lixo colado no mural do térreo. Quando acabou o assunto e eu fui andando pra trás para ir embora ela vem com o que provavelmente foi o motivo pelo qual ela me chamou em primeiro lugar, forçando uma descontração: “Ah, só mais uma coisa…”. Fiquei com medinho. Depois de um “olha só…” ou um “só mais uma coisa…” normalmente vem bomba. “A Dona Clécia [nome fictício porque não lembro do verdadeiro], do prédio da frente, me ligou perguntando se tinha uma boate no apartamento de vocês”. Pronto, entendi na hora. Nossa varanda tava sem luz até mais ou menos um mês atrás e quando fui trocar comprei uma lâmpada vermelha. Deu um clima de filme do Lynch na varanda e a gente imaginou que eventualmente um transeunte bem intencionado que passasse pela rua enquanto a lâmpada estivesse acesa pudesse confundir nosso apartamento um prostíbulo de interior. As interações com quem tocasse o interfone já estavam até ensaiadas. Prosseguiu a síndica: “A Dona Clécia disse que gosta de dormir com a janela aberta e viu uma luz vermelha vindo do apartamento de vocês, aí perguntou se tinha uma boate. Falei pra ela, olha, nunca tive nenhuma reclamação dos rapazes que moram lá e acho que se tivesse uma boate no meu prédio eu já teria percebido. Quem mora no apartamento são eles e não sou eu que vou dizer a cor da lâmpada que eles vão ter que pôr”. Eu disse que tinha achado engraçado e que a gente até tinha imaginado que em algum momento alguém fosse pensar isso, mas que nunca imaginei que a vizinha fosse ligar pra ela reclamando. “É”, diz ela, “ela é daquelas velhas que ficam o dia inteiro sem fazer nada e aí ficam cuidando da vida dos outros. Da próxima vez vocês tem que instalar é um giroflex na janela”.
Temos uma amiga.