Há poucos meses saiu uma artigo na The Atlantic com o título “A única carreira com uma indústria especializada em ajudar seus profissionais a se demitirem”. Inclusive cheguei a compartilhar ele aqui. Falava de uma empresa americana de ‘coaching’ de advogados, especializada em atender gente que estudou direito, entrou prum escritório, se decepcionou profundamente e não via outra saída senão mudar de profissão. O autor explicava o fenômeno com o fato do direito ser um curso preferido por quem não tem certeza de que carreira seguir nem disposição de adiar a decisão, aí depois de concluída a graduação (nos EUA, o curso é de pós-graduação) o direito pareceria a escolha mais razoável.
Diferentemente do que eu pensava, mostra o artigo, o problema não existe só no Brasil, onde se tem um número desproporcionalmente grande de escolas de direito, mas parece fazer parte da vida também de quem estuda a matéria alhures.
Eu acho que é importante considerar, porém, que os que largam o direito assim tout court são só uma parte do grande grupo dos que se decepcionam com a área. Outra parte é a dos que tem uma carreira depressiva e desgostosa pro resto da vida e, ainda outra, que mais me chama a atenção, é a dos que, decepcionados, acabam se convencendo de que o direito é, sim, algo que vale a pena seguir. Assim como numa ‘teodiceia’, onde se tenta justificar e defender a existência de Deus mesmo com a aparentemente contraditória existência do mal no mundo, os indivíduos desse grupo criam, cada um, sua ‘jurisdicéia’; isto é, vendo que o direito é uma parte muito pequena e de pouca relevância na infinita riqueza de uma sociedade e da própria natureza, tentam mesmo assim racionalizar a decepção (e mutias vezes angústia) e fazer sentido do direito através de uma justificativa, uma história que contam a si mesmos.
Normalmente, pelo que observo, esse processo é o resultado da constatação de um problema com o direito – sua mera instrumentalidade e insignificância, seu uso como instrumento de opressão, sua irracionalidade intrínseca, p. ex. – e daí se parte para uma consequente busca por um ‘conteúdo’ de fato do direito, ou uma explicação dele mesmo, que vai ser encontrada em vários possíveis lugares: na filosofia do direito, na criminologia, na antropologia, na sociologia, na ciência política, na matemática (?) etc. Ou seja, em vez de abandonar-se o direito pela sua insignificância, se tenta dar-lhe um significado.
Essa jurisdiceia construída não vai resolver nenhum problema do direito, porque o objeto dela é o próprio sujeito que a constrói, é óbvio. Mas me parece que já ajuda um indivíduo a fugir da angústia e do terror pós-modernos que é chegar a conclusão de que nada faz sentido nem tem explicação, e que o melhor a se fazer é bater a cabeça contra a parede repetidas vezes.
Em linhas gerais, dá pra se dizer que o direito pode muito bem não fazer nenhum sentido, desde que eu me mantenha firmemente acreditando no contrário.