Na segunda metade de 2015 o Vladimir Safatle publicou um artigo na CartaCapital dizendo que a Nova República tinha acabado.[1] Não só o lulismo, mas o próprio modo de governo que tomou forma com a abertura democrática teria se esgotado e que a posição que se esperava da esquerda era pular do barco e já pensar o dia seguinte.
Foi mal recebido. Umas semanas depois da publicação do artigo, o Carlos Arturi, da UFRGS, foi dar uma palestra no Centro Brasileiro de Pesquisa em Democracia, na PUCRS, sobre o fim da ditadura e o período de transição. No final, perguntei: o que tu acha dessa história de que a Nova República teria acabado? Disse ele que concordava sobre o fim do período lulista, mas que não via sentido em falar no fim de um período político que teria sido responsável por criar instituições fortes e que estariam apontando, segundo ele, à sua própria solidificação com o tempo. Não haveria um modelo de Estado “novo” sem instituições e formas de governar novas.
Era também a posição do Leonardo Avritzer, da UFMG (que recentemente publicou um livro sobre a crise), até essa semana. No domingo o Avritzer publicou um artigo com o título quase idêntico àquele do Safatle, “O fim da Nova República”,[2] onde argumenta que teríamos chegado ao fim de um ciclo caracterizado por um centrão-PMDB partidário de um projeto progressista que se tornaria hegemônico e pela neutralidade dos setores conservadores na sociedade.
O Marcos Nobre, do CEBRAP, publicou em 2013 “Imobilismo em Movimento”, ao meu ver um livro essencial, junto com o “Sentidos do Lulismo”, do André Singer, pra quem quer ter alguma noção das variáveis que precisam ser levadas em conta pra tentar entender o Brasil pós-85. Pro Marcos Nobre o período pós-redemocratização se caracterizaria pela centralidade do PMDB (originalmente na forma do “centrão” conservador da constituinte de 86) como instância mediadora necessária para a aprovação de qualquer projeto político.
O argumento do Avritzer, do qual, suponho, o Nobre discordaria, tem a ver não com a “posição dos agentes” e a centralidade do PMDB em si, mas com o rompimento com a tendência progressista com a tomada de poder pelo Temer:
Por que tal fato representa o fim da nova república? Em primeiro lugar, porque executivo e judiciário deixam de ser as forças principais do exercício do governo e o passamos a ter uma presidência “congressualizada”, com o perdão do neologismo. São as forças conservadoras do congresso nacional que assumiram a presidência na quinta feira. Por meio dessas forças, surge uma nova coalizão que vai tentar se firmar no poder com uma agenda diferente da agenda 1985-2016. Esta coalizão repete características do governo Collor: forte conservadorismo político com apoio do mercado para a realização de reformas econômicas conservadoras. Muito pouca ou nenhuma preocupação com a questão da redução da desigualdade. Será um período de neo-oligarquização da política, cujos primeiros indícios puderam ser vistos na própria cerimônia de posse de Michel Temer. Ministros sem comprometimento com qualquer agenda social ou outros comprometidos como uma agenda anti-social como é o caso do ministro da justiça e ex-secretário de segurança de Geraldo Alckmin, Alexandre de Moraes. O centro do projeto é um ajuste conservador do estado pedido pelo mercado financeiro. Este período terá fôlego para impor um novo projeto político e econômico ao país? Acho difícil responder, ainda que é difícil ver aquele ministério de homens brancos e com negócios políticos duvidosos, sem nenhuma representação de mulheres, negros, indígenas como representativo do país. Mas, se ele prevalecer, já não estaremos mais na nova república porque o papel do centro de incorporar um projeto de país baseado na inclusão social terá deixado de existir.
[1] Safatle: http://www.cartacapital.com.br/revista/841/a-nova-republica-acabou-2242.html
[2] Avritzer: http://jornalggn.com.br/noticia/o-fim-da-nova-republica-por-leonardo-avritzer