Eu como Protagonista

Na semana que vem completo quinze anos. Minhas quatro patas já percorreram muitos quilômetros, a maioria deles no trajeto entre minha casa e o portão, e minhas retinas já fatigadas não mais distinguem muito bem as poucas cores que enxergo. Tenho ciência de que minha situação física só é tão ruim pelo cruzamento intrafamiliar que fizeram nos meus antepassados, que acaba degenerando a espécie inteira, sob o pretexto de criar uma “raça” mais “pura”. Façam-me o favor!

Sempre que abrem o portão da rua eu penso em fugir. Eu sei que é loucura, mas os devaneios sempre aparecem nos momentos mais oportunos. Às vezes eles até me deixam dar uma volta pela rua. Eu tenho essa liberdade de fugir se eu quiser, mas, e aí, quem vai comprar minha ração, me alimentar, me dar água, esse tipo de coisa? Eu sei que eu não conseguiria mais viver sem meus donos. Talvez conseguisse se ainda estivesse em meu estado de natureza, mas quem vai afirmar isso com certeza? Essa minha liberdade é puramente ilusória, só serve pra me subordinar mais ainda àqueles infelizes.

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