Como se sobrevive à/na universidade neoliberal?

É realmente uma pergunta, e não é retórica. Me parece inaceitável que alguém consiga/tenha que fazer coisas como escrever um artigo de revista a cada quinzena, trabalhando quarenta horas por semana, às vezes em mais de dois lugares. Não pode, não é tolerável. E acontece. (É ÓBVIO que há profissões e relações que exigem muito mais de uma pessoa, mas um problema não exclui o outro). Tem alguns pontos que eu acho que são centrais, e queria ver o que vocês acham.

A lógica produtivista, a partir de quando entra na universidade, passa a exigir que o trabalhador, (a pesquisadora, o professor), seja verborrágico, que fale muito e sempre sobre o que acontece no exato momento da fala. O tempo de pensar é reduzido, fica escasso, vira tempo-livre, não contabilizado por nenhuma planilha, e a produção tem que ser imediata. Se perde aquele tempo mais longo, necessário pro “entendimento” e pro “sentimento” das coisas, e se dá lugar a um tempo muito mais ligeiro, que parece muito mais com o tempo do jornalismo (e que eles obviamente sabem usar muito melhor).

Não é de hoje a ideia do “publish or perish”. A produção tem que ser constante, sem ser necessariamente boa, ou certa, ou frutífera. Os currículos perguntam o que se produziu e quem pagou. Quanto mais, em ambos os casos, melhor. Não pedem por quanto de atenção se deu a cada projeto, quantas pessoas foram mobilizadas, tocadas ou influenciadas. As agências financiadoras são os “venture capitalists” da universidade, que não tem tempo, saco, nem dinheiro para “empreender” em projetos mais longos, mais LENTOS. O tempo de ócio, do nada, que é imprescindível para a criação, para o pensamento, não é contabilizado. É a mesma lógica da dona de casa, cujo trabalho não é considerado “produtivo”, não gera “riqueza”. Não tem “valor”, no sentido estrito do termo.

Essa mesma velocidade da universidade, me parece, ao mesmo tempo é responsável por deixá-la estéril e homogênea. A necessidade do tempo cada vez mais rápido, mais ágil (até se alcançar o sonho de finalmente suprimi-lo) não dá conta de compreender (aprender com) os saberes tradicionais, “adversos”, nem de compreender (abranger) populações com um tempo tradicionalmente adventício: a pobre, a mulher, a negra, a gay, a estrangeira, a transsexual. Ao mesmo tempo, a própria lógica produtivista gera um isolamento individual. O trabalhador da área fica restrito cada vez mais a si mesmo *em oposição* a todo o outro, seus pares. As avaliações são individuais, como é a disputa por posições e influência. E o trabalho, de qualquer forma, é fetichizado e atraente. Os “produtos” (chamam assim mesmo em alguns departamentos) e o número de citações viram penas de um pavão.

A pesquisa de IC, que é através do que eu tenho contato com o mundinho, já é uma posição exclusivista e uma forma precarizada do último escalão do trabalho intelectual institucional. Nada disso é especialmente *novo*, eu sei, mas é algo que fica entalado como uma batata na garganta de alguém que tem algum prospecto de (ousar) subir à torre de marfim – e se pergunta todo dia se vale a pena. Talvez seja o caso da gente mesmo começar a pensar em alternativas (num meta-pensamento, digamos assim) que deem conta de resistir ao avanço da lógica do império pra dentro de qualquer âmbito das nossas vidas (este que eu falei aqui sendo só um exemplo). O primeiro passo talvez seja começar a interiorizar a ideia de fazer não sempre o *melhor possível* mas o *mínimo possível*. Conter a verbose e preferir o necessário ao óbvio. E se acostumar a fazer tudo. assim. mais. devagar.

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