Apontamentos 1 maio 2020

Estou sem cabeça para o Twitter, mas ao mesmo tempo não consigo ficar sem escrever para algum público — mesmo que hipotético, e mesmo que apenas uma projeção da minha cabeça. Vou tentar retomar os apontamentos diários que eu fazia há alguns anos e parei. O modelo é parecido com aqueles tidbits da seção Poder da Folha impressa, cada apontamento com umas duas linhas.

  1. Li o cordel virtual do Rancière que a n–1 publicou (aqui). Primeiro, um meta-comentário: por que a n–1 está publicando os textos como imagens? Assim eles não são pesquisáveis, não aparecem nos motores de busca etc. Enfim. O comentário: acho que o Ranci está certo sobre o pós-COVID em que qualquer mudança depende muito menos de atos de vontade (de boa vontade) do que de organização. E a organização está especialmente prejudicada — agora mais por causa das medidas globais de contenção, mas no geral também nos últimos anos nas esquerdas. Não tenho óleo pra queimar pensando por que, mas acho que pode ter a ver com o banho de água fria que todos temos levado. Na América Latina, sim, mas também na Europa (Podemos e Syriza eram promessas muito grandes e mobilizavam tanto, e não deram certo, só sobrou bater palma pra centro-direita e achar que o PC português tem alguma orientação leninista) e nos EUA (socialismo não ganha eleição). Estou pessimista. Acho que vai ter um grande joga-fora, perdão de dívida à la loca, e aí entra em jogo um novo capitalismo de grandes corporações estilo século 17 dominando a vida no planeta com tecnologia de hipercontrole.

  2. Li alguém falando que não faz sentido abrir o comércio agora porque não vai ter demanda. Mais ou menos. Shopping é espaço de socialização da classe média, não só (talvez até mais que) um espaço “útil”. Tem uma função comunicativa, pra usar um termo habermasiano: serve à reprodução social (do tipo classe média brasileira).

  3. O que pode acontecer no pós-pandemia, para também chutar, é um novo cientificismo estilo pós-grande depressão nos EUA. Já tem manifestações hoje, em várias formas de uma crença redentora na capacidade da ciência de resolver problemas (criar a vacina, processar dados, mostrar a verdade verdadeira etc.). Talvez surja alguma vontade eleitoral também de dar poder a cientistas. Não estou dizendo que isso é bom. Nem ruim.

essential