Amanhã de manhã

Felicidade não é um conceito negativo, a ausência de insatisfação, de sentimento podre ou perverso, um não-ter-do-que-se-queixar ou um sei-lá-acordei-feliz-hoje. Nem um gosto bom de ter conquistado o que se queria, ou se pensava que queria. Felicidade é, antes, um conceito positivo. Exige uma ação de quem a quer.  Um ato cujo significante se expressa por alguma palavra que termine em ar, er, ir. Estar feliz é deliberadamente se iludir com uma imagem do mundo que não é a real – nem racional, portanto. Se pensar como alguém que tem qualquer relevância no andamento geral das coisas. Acreditar que a vida não é sofrimento desde quando damos o primeiro até quando dermos o último de todos os respiros. Felicidade é aceitar e seguir a doutrina do mundo aquele em que as pessoas não morrem, nem vão pra longe, nem não nos gostam e nem não são nossas amigas. Nem não querem nos ouvir falar de nossos duvidosos problemas morais, sociais e intrapessoais e nem dão a mínima pro que temos a contar-lhes em sábados à noite. É botar os fones de ouvido e se privar de toda a vida que é a mais de 1cm do corpo. Acordar não querendo tê-lo feito, sair querendo voltar, voltar querendo sair. E se satisfazer com o que há de mais podre em cada âmbito que a vontade atinge. Ignorância é felicidade. A realidade é precária.

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