Alguma coisa sobre o desencantamento

Em 18 de agosto de 2016 eu enviei para mim mesmo uma série de doze mensagens de voz pelo WhatsApp com o texto abaixo. Era pra servir de primeiro rascunho para a introdução de uma série de textos que eu havia escrito no decorrer do ano sobre a minha vida. Acabou que não fiz nada com os textos, embora eles ainda existam, e por isso esqueci da introdução. Outro dia, ouvindo as mensagens que mando para mim de vez em quando pelo WhatsApp quando tenho uma ideia, achei essa sequência e resolvi transcrevê-la. O título é um dessas doze mensagens, onde digo: “E uma ideia de título: ensaio sobre o desencantamento, ou alguma coisa sobre o desencantamento. Não sei também”.


O verso homérico não é mais possível. A poesia épica, tampouco. As epopeias acabaram. E qualquer discurso grandiloquente não faz mais o menor sentido. E é possível, eu acho, que além disso nossos tempos não tenham deixado de fora nem a existência inquestionável da ficção. A modernidade fez a nós em geral e a mim em específico sujeitos desencantados, inautênticos. Minha relação – ou nossa, não sei – com as coisas é uma relação sempre distante e sempre individual. Não conheço senão pelos meus próprios olhos. Não falo, não posso falar, senão sobre mim mesmo. Qualquer abstração ou universalização é boba e pouco crível.

O texto é a tinta sobre o papel.

Falo aqui em nome de personagens não mais do que falo em nome de personagens no quotidiano, com as pessoas com quem convivo ou com quem nem convivo, mas calho de topar na fila do supermercado ou indo pro trabalho. Se eu quisesse eu teria um pseudônimo a tiracolo, que foi um apelido que uma amiga minha me deu porque achava que esse nome parecia comigo, e que depois foi usado por um outro amigo meu que escreveu minha biografia num livro falso que eu lancei de verdade. Mas acho que nem isso faz muito sentido. Meu nome de batismo já é um bom codinome.

O que sobra da magia da leitura quando se percebe que ela não é nada mais que os olhos passando pela tinta no papel, ou da própria escrita, que são meus dedos batendo nas teclas do computador em uma ordem que faça algum sentido? Esse estado de apatia em relação aos significados, que eu acho que nem é meu, mas é das coisas – na medida em que eu não o sinto de forma autêntica – não é, no fim das contas, nem bom nem mau. É só a forma como as coisas vão se ajeitando no tempo. Só a forma como as percepções individuais e coletivas vão se ajeitando e se arrumando conforme o tempo passa. Talvez pareça, mas não há nenhum teor melancólico nisso que eu escrevo, nem minimamente triste, ou bucólico.

Feitos todos esses apartes, o que segue é um tipo de fotografia de momentos num feixe de seis meses da minha vida.

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