Após a divulgação pelo MEC aos candidatos do ENEM da prova de redação corrigida, que aconteceu no dia 6 de março, diversas críticas tem aflorado na imprensa tradicional país afora e repercutido na boca dos mais diversos “entendidos no assunto”. A notícia bombástica é a aferição de uma nota razoável pelo avaliador a um candidato que “fugiu” do assunto da redação.
A manchete é “Estudante escreve receita de Miojo no ENEM e tira nota boa” e a matéria conta a história de um aluno que resolveu incluir uma receita de massa instantânea no meio de uma redação sobre a imigração no Brasil, por qualquer motivo que tenha sido, e teve seu texto avaliado com a nota 560. Em nota sobre o caso, o INEP, organizador do ENEM, informou o que parece ter sido o estopim para a liberação da ira daqueles que procuravam qualquer razão para criticar o sistema de avaliação:
“Desconsiderada a inserção inadequada, o texto tratou do tema sugerido e apresentou ideias e argumentos compatíveis. O texto indica compreensão da proposta da redação, não fugiu ao tema por completo e não feriu os direitos humanos”.
O processo de organização da prova contava com um Guia de Avaliação da redação, desenvolvido pela promotora do ENEM para orientar e definir os critérios sob os quais deveriam ser avaliadas todas os pontos da redação pelos professores contratados. Esse Guia separava a avaliação em diversas competências, entre as quais se encontravam, por exemplo, compreensão da proposta da redação e devida aplicação dos conhecimentos para o desenvolvimento do tema, quesito no qual o estudante recebeu o grau 120, de 200.
Quem leu o texto percebeu que, apesar da inclusão indevida de um trecho de uma receita, o estudante conseguiu se expressar de maneira adequada e explicar seu argumento com coesão e coerência esperadas para um concluinte do Ensino Médio. A nota que ele recebeu simplesmente refletiu a habilidade que o avaliador julgou que o estudante tivesse tido ao provar seu ponto, obviamente com os descontos devidos pela fuga do assunto.
É ilógico querer que o avaliador dê uma nota inferior à competência do aluno em virtude dessa transgressão. Se o mesmo tivesse acontecido em um ambiente escolar, não haveria problema algum em ter uma avaliação do tipo avaliada com grau zero, notadamente pelo caráter educativo do ato, para evitar com que seja praticado novamente, o que de forma alguma deve ser o objetivo da avaliação de um Exame Nacional do Ensino Médio, que, por mais óbvio que pareça, tem caráter avaliativo, não educacional, muito menos punitivo.
Os casos de problemas na avaliação dos quais se teve notícia são contáveis nos dedos. Para um exame da magnitude do ENEM, esse número é muito mais que aceitável. Duvido, ainda, que a maioria das instituições de nível superior do país tenha um sistema de avaliação de redação tão cauteloso e criterioso quanto o do ENEM, cuja redação é corrigida por dois professores e, caso haja divergência grande entre os dois, um terceiro aparece para realizar mais uma avaliação.
Claro que os problemas, mesmo que poucos, devem ser evitados sempre, e o aperfeiçoamento deve ser um objetivo perene. Problemas aconteceram em edições anteriores do exame, sim, talvez pela própria novidade do sistema e complexidade em sua execução sem falhas, mas é impossível não reconhecer, primeiro, que melhorias tem sido feitas ano após ano e, segundo, que o sistema trouxe aos estudantes muito mais benefícios do que problemas.
O que parece difícil de ser aceito pela “aristocracia” contemporânea, que detêm boa parte da imprensa e exerce um controle enorme sobre o a opinião da população, é que hoje o pobre está tendo acesso à universidade, que o monopólio do ensino superior não pertence mais às elites. As elites estão se sentindo ameaçadas e reagem a isso da maneira que vemos.
Ainda temos um longo caminho a percorrer no processo de democratização do ensino superior, mas é reconhecível que muito já foi feito nesse sentido. Se continuarmos no caminho que já trilhamos até agora, as perspectivas para o futuro são certamente otimistas.