A questão dos médicos cubanos

O texto a seguir é um comentário, no facebook, à discussão travada no perfil de uma amiga minha a respeito deste artigo.

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Eu, particularmente, sou a favor de que médicos, assim como quaisquer outros profissionais, possam trabalhar, desde que respeitados os limites legais de cada Estado, no país em que bem entenderem. É um absurdo vivermos num mundo onde o capital circula livre e já as pessoas não.

I. Quando usam o argumento do temor de que os médicos cubanos venham espraiar uma ideologia comunista no Brasil, não sei se é piada ou se falam sério. Seria o mesmo que temer franceses na Inglaterra sob o pretexto de trazerem ideais republicanos e destronarem o rei. Sim, é absurdo. (Vai ver é essa a origem da rivalidade entre os dois países… Heh). Querer impedir que estrangeiros venham trabalhar no Brasil é, se não xenofobia, um corporativismo podre e desnecessário. 

II. Óbvio que para universalizar e equipar SUS não basta investir nos médicos, mas também nos locais de atendimento. A mesma lógica se aplica à educação, por certo. Mas essas medidas são todas mediatas. Algo precisa ser feito para já. Trazer médicos para o interior do Brasil é uma medida para já.

III. Sobre a proposta de obrigatoriedade do trabalho no SUS por dois anos para os estudantes de medicina, acho ruim. Não creio que essa forma de coação seja a melhor forma de atrair interessados em trabalhar com saúde pública/saúde da família. Talvez um sistema melhor fosse garantir emprego pelo SUS a recém-formados (interessados), pagando um salário razoável.

IV. A maioria dos casos de atendimento, principalmente no interior, como diz no artigo, é resolvível num posto de saúde. Precisamente aquele onde faltam médicos. Se não tem interessados no Brasil, que tragam de fora.

V. Quanto à revalidação do diploma: O sistema de revalidação de diplomas do Brasil é ruim. Ponto. Os cursos de mestrado e doutorado feitos no exterior, por exemplo, devem ser revalidados perante um PPG de uma universidade federal no Brasil, com uma nova banca de avaliação. Burrice e retrabalho. O ideal seria que o MEC listasse as universidades estrangeiras que têm currículo compatível com os cursos do Brasil e aproveitasse o diploma automaticamente, assim como acontece em muitos países. Desse jeito poupa mão-de-obra do Estado e dá menos trabalho pro estudante de universidade estrangeira, que já sabe de antemão se o currículo vai ser aceito ou não no Brasil. Quanto à revalidação do diploma de medicina, pior ainda. O único motivo que consigo ver para uma centralização federal e um nível de exigência de um exame como o Revalida é um enorme corporativismo da classe médica. Aposto muitas das minhas fichas que se colocassem os egressos dos cursos de medicina para fazer o Revalida, a maioria não passa.

VI. Por fim: Os principais argumentos contra a vinda dos estrangeiros pro Brasil são a) tirarem lugar dos brasileiros e b) não terem revalidação do diploma. Quanto ao primeiro argumento, eu, particularmente, não vejo nenhum problema em vir gente de qualquer lugar do mundo trabalhar aqui, mas como sei que nem todo mundo é eu e o nacionalismo às vezes é meio forte, vejo a proposta ideal como a seguinte: Abre-se chamada pública para brasileiros atuarem nos pontos-destino dos médicos estrangeiros desse projeto, sob as mesmas condições. Se não houver interessados (não há, pois se houvesse já estariam ocupando esses postos [a esse respeito, eis um exemplo]), que chamem os estrangeiros; Quanto ao segundo ponto, concordo que o diploma deve ser reconhecido. Discordo quanto à forma (o Revalida). Como já falei, o ideal seria uma reformulação do sistema no MEC, mas como a saúde é sempre urgente, não vejo nenhum problema, já que esse argumento é puramente quanto à forma, de dispensar a revalidação especificamente para o projeto Mais Médicos. Sejamos pragmáticos, gente. Entre i. deixar uma pessoa morrer e ii. ser atendido por alguém que, por um critério formal-burocrático, deixou de ter seu diploma validado em território nacional, mas que tem formação tão boa quanto ou melhor do que a de um curso de medicina no Brasil (sim, me refiro a Cuba aqui), não titubearei em escolher a segunda. Acho que nem é necessário perguntar pra população o que acham disso também.

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