São 4:55h e agora eu deveria estar dormindo para ‘acordar cedo’ amanhã e viajar. Há mais ou menos um mês estou passando as tardes em casa, já que deixei o Instituto Nacional de Reforma Agrária no início de outubro. Essa vacância vespertina tem estragado ainda mais o meu já problemático ciclo circadiano e causado problemas de ordem social e, err, acadêmica. Perdi algumas aulas…
Enfim, há alguns minutos (talvez algumas horas… perco a noção de tempo na madrugada) comecei a escutar João Gilberto, precisamente o disco que leva seu nome, de 1973. Quando comecei a escrever este texto estava tocando “Izaura”, última faixa do disco, onde, ironicamente, dada a minha situação de atraso no sono, João Gilberto canta: “Se eu cair nos seus braços, não há despertador que me faça acordar”. O que é exatamente o meu caso, com exceção do dono dos braços. Pro João Gilberto é a Izaura, para mim é Morfeu, o deus do sono. Se eu ousar cair em seus braços, posso esquecer os planos de acordar às 9h.
Fiz todo esse circunlóquio - involuntário -, mas o que eu realmente queria dizer é que há alguns minutos fui à janela tomar um ar (frio, aliás, em comparação com a temperatura interna) e percebi que a lua de hoje é crescente, quase cheia. Por algum motivo que eu não sei explicar, provavelmente de ordem meteorológica, a lua parecia estar mais brilhosa hoje. Talvez fosse alguma ilusão de ótica, impressão minha ou qualquer outra coisa, mas parecia.
Peguei a câmera fotográfica com a qual eu brincava a pouco e tentei tirar uma foto da lua com a ajuda do meu binóculo. Claro que o binóculo que eu tenho não tem como fim a observação de corpos celestes, mas é de muito boa qualidade (trata-se de um Nikon Action 7x50 6.4º). Mas como eu disse, não é esse o propósito de um binóculo, e nem tenho uma câmera fotográfica boa o suficiente para isso e, enfim, as fotos ficaram ruins. Não dava para reconhecer a lua.
Foi quando sentei no chão da sala, me escorei na parede, peguei o binóculo de novo, abri a janela e apontei-o pra lua novamente. Tive uma epifania. Começaram a surgir na minha mente desde questionamentos astronômicos - como pode existir um objeto tão grande circundando a terra diariamente sobre nossas cabeças? - até sociológicos - como pode existir um objeto tão grande circundando a terra diariamente e nós, ovelhas, quase não percebermos, ou não darmos a devida atenção.
Ridículo, eu sei, mas foi um momento mágico. Fiquei por minutos observando as crateras, as manchas cinza naquela rocha branca; tentando achar vida na superfície; tentando enxergar alguma parte do lado que não era iluminado pelo sol; tentando, sobretudo, manter sob controle os tremores involuntários dos meus braços para conseguir observar melhor. Num certo momento parece que ela - a lua - falava comigo, girava sobre si mesma como se apresentasse uma peça de balé clássico.
Continuei por alguns minutos observando o aparente movimento, até minha cabeça cansar de ficar tão inclinada e eu pensar em incliná-la agora para baixo e voltar para meu quarto. Foi um momento prazeroso a sós com a lua, que nesta época de halloween parece às vezes ter sido banalizada. Não sei se devo me preocupar ou só aproveitar os momentos em que voltar os olhos para o céu e observar a vida que acontece lá em cima parece muito mais prazeroso do que viver a vida que acontece aqui em baixo.